Compliance e advocacia: até aonde vai a hipocrisia de algumas grandes empresas?

Organizações contratam escritórios e advogados que, sabidamente, não atuam conforme a lei e a ética profissional. As áreas de compliance não se dedicam a examinar a contratação e não perquirem quem está sendo contratado.

Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo (*)

Observem-se, nos últimos anos, diversos escândalos que afetaram sociedades por ações de capital aberto, inclusive. Em alguns casos, os fatos graves aconteceram com a atuação indevida de diretores jurídicos e de advogados, os quais, em coautoria ou participação, contribuíram para o cometimento de atos ilícitos, de crimes.

O mundo corporativo vive como a moda: segue tendências de determinado momento, com o fim de agradar a certo número de pessoas. Agora, a todo tempo, se fala de ESG – a sigla contemporânea que sugere respeito ao meio ambiente, responsabilidade social e preocupação com a governança.

Tais premissas de gestão empresarial significam dar atenção, não apenas aos lucros, mas se porem os olhos da administração nas questões de sustentabilidade, consciência social e de ética, dentre outras.

No âmbito da governança, não há dúvidas da importância da implementação dos compliances – setores das empresas que zelam pelo cumprimento de regras e pelos comportamentos íntegros dos funcionários e gestores. Essas áreas desenvolvem controles internos e treinamentos com o objetivo de aprimorar os cuidados nas relações entre as pessoas, internas e externas.

Como sabido, nas grandes corporações, o ESG vem acompanhado de muita propaganda. Divulga-se em notícias, campanhas e publicidade paga o quanto a empresa encontra-se adequada aos novos e melhores padrões de administração.

Ora, nas companhias de capital aberto, existe todo sentido de se aplicarem esses preceitos de gestão. Afinal, deve-se proteger o investidor que adquiriu ações, confiante em resultados econômicos e reputação da empresa.

Se as premissas acima podem ser tomadas como válidas, emerge a questão: por que grandes empresas contratam escritórios de advocacia e advogados que, sabidamente, não atuam conforme a lei e a ética profissional?

Sim, por qual razão as regras de conformidade legal e integridade não se aplicam quando as companhias enfrentam questões judiciais, ou procedimentos administrativos?

Observem-se, nos últimos anos, diversos escândalos que afetaram sociedades por ações de capital aberto, inclusive. Em alguns casos, os fatos graves aconteceram com a atuação indevida de diretores jurídicos e de advogados, os quais, em coautoria ou participação, contribuíram para o cometimento de atos ilícitos, de crimes.

Mesmo assim, controladores, administradores e conselhos de administração preferem que as empresas contratem advogados que se apresentam não apenas para prestar serviços jurídico-profissionais, mas que se comprometem a alcançar êxito em processos-crime, litígios e procedimentos perante a administração pública, alguns sem esconder práticas de corrupção, ou clientelismo.

Os autodenominados “resolvedores”

O pior adjetivo para um advogado – se verdadeiro o padrão ESG disseminado a todos nós – deveria ser “resolvedor”. No atrium dos códigos de ética da advocacia, sempre se encontra a distinção entre obrigação de meio e obrigação de resultado, não em função do acaso, porém, por fundamento lógico e jurídico. Não obstante, campeiam nos jornais, na Internet e nas redes sociais os nomes dos autodenominados “resolvedores” que, das modestas prefeituras às Altas Cortes, propalam relacionamentos e formas de entregar o que o cliente almeja.

Curioso notar que alguns colegas os admiram e, muitas vezes, sucumbem, até mesmo, a indicar a atuação dessa caterva, sob o pretexto de que, em determinado órgão público, ou tribunal, o funcionamento seria assim. Livram-se da responsabilidade, quando não abocanham participação nos valiosos honorários advocatícios.

Mas, no campo das perplexidades, resta a percepção de que os compliances não se dedicam a examinar a contratação de advogados, não perquirem quem estão a contratar, nem os respectivos contratos de prestação de serviços.

Na realidade, se parcela importante das companhias – em especial, as companhias de capital aberto – procedesse à perquirição de quem atua como advogado e consultor jurídico, verificaria que o “G” da famosa sigla não prepondera em diversos departamentos jurídicos. 

Nesse curioso ambiente corporativo, caso sinceros os propósitos que se espalham nos dias atuais, os diretores e compliances deveriam promover novíssimo programa: Conheça seu advogado (Know your lawyer).

Desse modo, se terá contribuição brasileira inovadora à práxis da administração de empresas e mais ética na advocacia.

(*) Advogado do escritório Moraes Pitombo Advogados. Mestre e doutor em Direito Penal pela USP, pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. 

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