Home office forçado pela pandemia poderá gerar nova onda de ações trabalhistas

Fernando Almeida Prado, sócio do escritório BFAP Advogados

Controle da jornada, compensação de horas, regime de prontidão ou sobreaviso, doenças ocupacionais e acidentes de trabalho são pontos que podem elevar a insegurança jurídica nas relações entre empresas e trabalhadores

Umas das principais alternativas para os trabalhadores de todo país em tempos de pandemia do novo coronavírus (Covid-19), o home office, também conhecido como teletrabalho ou trabalho remoto, poderá gerar um conflito nas relações entre empregado e empresa no futuro próximo.

Embora a prática já fosse usual no mundo corporativo, o trabalho remoto passou a ser regulamentado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) apenas com a Reforma Trabalhista (Lei 13.467) em 2017. Foi determinado que deveria ser estabelecido um acordo individual para o home office e que a instituição do modelo deveria ter a concordância do empregado. Já a Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874), no ano passado, conferiu ao funcionário a responsabilidade pelo registro da jornada de trabalho.

Entretanto, em março, a Medida Provisória (MP) 927 determinou que os contratos poderiam ser estabelecidos em até 30 dias após o fim da crise e que o teletrabalho poderia ser instituído sem acordo coletivo ou a concordância do trabalhador e que também não seria mais necessário registrar a sua jornada.

De acordo com especialistas, as mudanças no home office são exemplos de medidas do governo que, se por um lado facilitam as relações de trabalho durante a crise, também geram insegurança jurídica e devem resultar em uma nova onde de ações na Justiça do Trabalho.

“Os problemas que podem surgir em relação ao teletrabalho são em razão da impossibilidade de controle de jornada, pois futuramente o empregador pode pedir a compensação das horas não trabalhadas. Porém, o empregado pode não concordar, visto que durante este período se manteve à disposição do empregador”, explica Bianca Canzi, advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.

A MP 927 determinou que o uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada também não se caracteriza mais como “regime de prontidão ou de sobreaviso”, quando o trabalhador permanece à disposição da empresa, salvo previsão distinta em acordo individual ou coletivo.

Compensação de horas não trabalhadas

Enquanto durar o estado de calamidade pública instituído pelo governo, com efeitos até dezembro deste ano, as empresas poderão ainda fazer com que os empregados compensem as horas não trabalhadas após o final da crise por meio de banco de horas.

A compensação deverá ocorrer em até 18 meses após o encerramento da crise, em comparação aos seus meses previstos hoje em lei, e poderá ser realizada mediante prorrogação da jornada em 2h desde que observado o limite de 10h diárias. Tanto o banco de horas como a compensação independem da concordância do empregado ou de entidade sindical.

Outro ponto da MP é que deverá ser oficializado no contrato do home office se houve empréstimo de equipamentos aos empregados e o reembolso de valores pagos por eles para a prestação dos serviços.

Na última quinta-feira, dia 2 de abril, o governo publicou a MP 936, que ofereceu alternativas às empresas para não demitirem durante a crise. Será possível fazer com que contratos de trabalho sejam suspensos ou que haja a redução de salários de forma proporcional à redução da jornada dos trabalhadores. A remuneração dos empregados será complementada pelo governo de forma total ou parcial até o limite do teto do seguro-desemprego, atualmente em R$ 1.813,00.

As novas regras, assim como as demais já anunciadas pelo governo, devem gerar insegurança jurídica devido ao fato de terem prazo de validade. O Congresso Nacional tem até 120 dias para alterar ou transformar em lei os diversos pontos das medidas. De um modo geral, as novas regras têm levado as empresas a repensarem as relações de trabalho durante a crise.

Na opinião do advogado especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório BFAP Advogados, Fernando Almeida Prado, as medidas do governo foram positivas no atual cenário, mas tiveram como efeito colateral o enfraquecimento dos sindicatos ao determinar que acordos individuais passassem a prevalecer sobre os acordos coletivos. “A MP 927 agiu bem ao permitir que as empresas covalidem suas práticas posteriormente. Os grandes prejudicados são os sindicatos, que deixaram de ser intermediários obrigatórios nesta relação”, analisa. 

Exames médicos periódicos

A Medida Provisória do governo também desobrigou as empresas de realizarem exames periódicos nos trabalhadores e postergou o prazo dos exames demissionais dos atuais 10 dias para 60 dias, o que pode dificultar a comprovação de doenças ocupacionais.

Tal ponto pode ser um problema para a saúde dos trabalhadores, afetada pelo isolamento social. “Ao dispensar os empregadores de realizar os exames, a MP acaba por aumentar significativamente os riscos correspondentes à manifestação de doenças ocupacionais e de acidentes de trabalho. Sem tais investigações, os empregadores não terão dados que os permitam averiguar a eventual sensibilidade dos trabalhadores a certos fatores físicos”, alerta Paulo Lemgruber, advogado trabalhista e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados.

Para Ruslan Stuchi, advogado especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Stuchi Advogados, é fato que problemas como a depressão, ansiedade e má postura devem surgir em grande parte da população. “Para evitá-los, devemos sempre procurar sentar em locais confortáveis para realizar as atividades laborais e procurar ocupar o tempo e a mente nos tempos livres com a realização de cursos online, atividades físicas, entre outras”, recomenda.

No entender do advogado trabalhista, diante da atual crise, é fundamental que trabalhadores e empresas busquem administrar as relações de trabalho com a maior transparência possível. “As pessoas devem enfrentar o momento nunca então vivido para sairmos mais fortalecidos tanto pessoalmente, quanto economicamente e judicialmente”, defende.

Bianca Canzi, sócia do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados

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