Parte da dificuldade em se medir os parâmetros e números que influenciam na adoção das práticas ESG pode ser resolvida por meio da tecnologia, em especial o Blockchain, em razão de seu potencial para garantir informações fiéis e auditáveis
Filipe Ribeiro Duarte (*)
Nos últimos anos, a expressão ESG (Environmental, Social and Governance) tem se tornado um tema frequente nos noticiários, nas pesquisas na internet[1] e pautas de investidores e diretores das empresas. O crescimento é compreensível por diversos fatores, e dois merecem destaque. O primeiro é a finitude dos recursos naturais e o respectivo impacto ambiental e social que as empresas naturalmente ocasionam versus o crescimento da demanda por serviços, produtos e da própria população. O segundo é a tendência do direcionamento dos recursos financeiros dos principais investidores para empresas que pensam ESG na condução de seus negócios.
Segundo pesquisa realizada pela PwC, até 2025, 57% dos ativos de fundos mútuos na Europa considerarão os critérios ESG na hora de investir, bem como 77% dos investidores entrevistados indicam que pretendem não adquirir produtos não ESG nos próximos anos[2]. Não custa também lembrar que o CEO da Black Rock, uma das maiores gestoras de ativos do mundo, tem se manifestado reiteradas vezes para dizer que a gestora direcionará seus investimentos, cada vez mais, para ativos “ESG”[3].
Os dados e tendências do consumo, dos investidores e do próprio direcionamento do meio ambiente tornam o assunto relevante para a condução dos negócios empresariais, os quais buscam perenidade, sustentabilidade e lucratividade de suas atividades e, naturalmente, fazer transparecer isso aos clientes e investidores. É nessa transparência que surge outro grande desafio. O que, ou como, fazer transparecer? E mais, como garantir a confiabilidade das informações aos investidores e clientes, escapando do chamado greenwashing[4]?
A preocupação é relevante, principalmente pelas discussões em torno da divulgação mascarada de informações que tentam levar o investidor ou consumidor a erro. Vale lembrar que a CVM exigirá a partir de 2023, nos formulários de referência das companhias abertas, informações sobre aspectos socioambientais das companhias[5]. Logo, além de se preocupar com o alinhamento estratégico do tema ESG no direcionamento do negócio, elas precisam prestar informações confiáveis ao mercado, principalmente em seus relatórios de sustentabilidade.
E o tópico tem mais um elemento complexo. Ainda que as principais consultorias globais se reúnam[6] e tentem criar parâmetros comuns e harmônicos de análise e divulgação dos dados dos fatores-chave do ESG entre as empresas, atualmente inexistem meios únicos capazes de avaliar o desempenho das organizações nos pilares, fazendo-o de forma padronizada. Cada consultoria ou metodologia, naturalmente, classifica e atribui uma nota diferente às empresas. Foi o que demostrou a Bloomberg em parceria com a XP Investimentos, ao comparar as notas da Tesla em três diferentes metodologias que se propõem a mensurar a adoção de fatores ESG pelas empresas[7]:
Como resultado dessa falta de parametrização da análise e leitura dos dados, as empresas acabam prestando contas aos investidores de forma diferente, o que dificulta a análise e comparação entre elas ou de qual investimento realizar.
E qual o elo deste tema com a tecnologia e, principalmente, com a Blockchain? Ora, de algum modo ambos os temas estão relacionados à capacidade de inovação das empresas. Por outro lado, Blockchain é um dos meios tecnológicos atuais mais seguros para registrar e confirmar transações dos usuários, em razão do seu modo de funcionamento e inviabilidade de mutação ou fraude. Inclusive, essa é a aposta de Lewis Tian[8], ao creditar à tecnologia Blockchain e aos Smart Contracts um caminho mais seguro para a confiabilidade das fontes e informações relacionadas ao tema ESG.
Com o intuito de criar um gerenciamento seguro, eficaz e transparente da cadeia de suprimentos, o Blockchain desponta como ferramenta eficaz para rastrear o movimento em tempo real de bens e serviços. A tecnologia tem sido adotada por diversas aplicações, que passam por ofertantes de serviços financeiros (por exemplo, Ripple e Libra), distribuição de alimentos e produtos agrícolas (por exemplo, IBM Food Trust e Bumble Bee Foods), cadeias de suprimentos de saúde e farmacêutica (como ProCredEx e MediLedger)[9].
Outro exemplo é a Green Mining que utiliza Blockchain para rastrear os lotes de resíduos, para garantir o peso e o tipo de material em cada local de coleta. A pesagem é feita localmente e fotografada para armazenar registros e, por fim, o material recebe um código rastreável através de Blockchain, ou seja, sem possibilidade de adulteração.[10] Ainda, destaca-se a Arabesque[11], que usa seus próprios conjuntos de pontuações ESG e Inteligência Artificial para gerenciar investimentos com base no desempenho financeiro e ESG.
A temática ESG não é simples e de difícil mensuração e inserção nas mesas decisórias das empresas. Porém, parte da dificuldade em se medir os parâmetros e números que influenciam na adoção das práticas ESG pode ser resolvida por meio da tecnologia, em especial o Blockchain, em razão de seu potencial para garantir informações fiéis e auditáveis que reflitam o desenvolvimento sustentável das empresas (LI, Haun; PARK, Arim, 2021).
(*) Mestre em Direito Empresarial pela UERJ e advogado especializado em Direito Digital do Martinelli Advogados em Joinville (SC)
[1] Conforme apurado pelo Google Trends, a pedido do Valor Econômico, as buscas pelo tema ESG cresceram 150% no ano de 2021, comparando-se a 2020. Para mais informações: https://valor.globo.com/empresas/esg/noticia/2022/02/21/entenda-o-que-e-esg-e-por-que-a-sigla-esta-em-alta-nas-empresas.ghtml; último acesso em 30 de março de 2022.
[2] Disponível em: https://www.pactoglobal.org.br/pg/esg; último acesso em 30 de março de 2022;
[3] Disponível em: https://www.blackrock.com/br/blackrock-client-letter; último acesso em 30 de março de 2022;
[4] O termo greenwashing não possui uma tradução literal para o português, mas pode ser entendido como “enverdecer” ou “lavagem verde”. A expressão “greenwashing” foi originalmente cunhada pelo ambientalista Jay Westerveld em um ensaio de 1986, quando ele afirmou que a indústria hoteleira promovia falsamente a reutilização de toalhas como parte de uma estratégia ambiental mais ampla, mas na verdade tratava-se de uma medida de economia de custos (Orange e Cohen 2010). Orange, E., & Cohen, A. M. (2010). From eco-friendly to eco-intelligent. The Futurist, 44(5), 28–32. Disponível em: https://link.springer.com/referenceworkentry/10.1007/978-3-642-28036-8_104; último acesso em 30 de março de 2022.
[5] Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/esg-e-tema-de-nova-pesquisa-lancada-pela-cvm; último acesso em 30 de março de 2022.
[6] A IFRS (International Financial Reporting Standards Foundation), organização internacional que cria normas financeiras e contábeis. informou que, em parceria com outras consultorias, pretende lançar novas regras do IFRS que organizarão como informações sobre sustentabilidade devem ser publicadas pelas empresas em seus relatórios contábeis. Disponível em: https://home.kpmg/dp/en/home/insights/2021/10/ifrs-announce-new-esg-reporting-standard.html
[7] Disponível em: https://conteudos.xpi.com.br/esg/esg-de-a-a-z-tudo-o-que-voce-precisa-saber-sobre-o-tema/; último acesso em 30 de março de 2022;
[8] TIAN, Lewis. Unraveling the Relationship Between ESG and Corporate Financial Performance – Logistic Regression Model with Evidence from China. 2021, p. 13, disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3897207
[9] LI, Haun; PARK, Arim. The Effect of Blockchain Technology on Supply Chain Sustainability Performances;. 2021, p. 2. Disponível em: https://www.mdpi.com/2071-1050/13/4/1726/htm; último acesso em 30 de março de 2022.
[10] Site da Startup Brasileira Green Mining < https://greenmining.com.br/> Disponível dia 02/02/2022, às 09:47