Futuro dos escritórios de advocacia depende de inovação e tecnologia

Shruti Ajitsaria, Líder da Fuse, espaço de inovação tecnológica da Allen & Overy

Ética na área de IA, desafios atuais do compliance, gestão de pessoas na pandemia, uso de TI no suporte aos processos jurídicos e conceito de “Human Rights by Design” foram debatidos no terceiro dia da Fenalaw

O terceiro e último dia da Fenalaw 4.0 Xperience – Transformando o Setor Jurídico Através do Digital, nesta quinta-feira, 15, começou abordando a presença cada vez mais consistente da tecnologia no cenário legal, com a palestra “Mindset e a Introdução da Inovação nos Escritórios de Advocacia”. A apresentação foi feita por Shruti Ajitsaria, Líder da Fuse, espaço de inovação tecnológica da Allen & Overy, e Eliot Benzecrit, Co-fundador da Avvoka, ferramenta de automação, negociação e análise de contratos.

Shruti afirmou que a tendência já é uma realidade: “Se continuarmos a trabalhar manualmente, não conseguiremos evoluir em termos de eficiência e produtividade. A inovação nos permite ganhar competitividade frente à concorrência, aumenta a consistência do trabalho, a interação da equipe e obviamente evita erros e imprecisões”.

A filosofia da Fuse é identificar empresas jurídicas, regtechs e dealtechs relevantes para advogados A&O e seus clientes e encontrar maneiras de começar a trabalhar juntas. “Acreditamos que a interação é a melhor estratégia para a implementação de soluções tecnológicas”, completa.

De seu lado, Eliot Benzecrit argumentou que entre as tendências identificáveis no setor está a preocupação de agregar valor aos negócios, criando plataformas seguras, com ferramentas de tecnologias que tragam agilidade para os usuários e mudanças em larga escala nas empresas, em termos de programas de compliance.

“Com a ferramenta Avvoka, identificamos que a interação com o escritório de advocacia é importante, pois nos dá acesso à dinâmica das empresas, como funcionam e o que precisam, permitindo o desenvolvimento de soluções customizadas e desenvolvimento de projetos a quatro mãos”, disse.

Na visão dele, advogados costumam ser perfeccionistas, mas a tendência, do ponto de vista de desenvolvedores de tecnologia, é garantir que o fluxo do trabalho seja mantido, com foco não só na perfeição mas também na produtividade: “Isso pode ser garantido com o uso massivo das aplicações tecnológicas, promovendo sempre a segurança da informação e suporte ininterrupto”.

O Avvoka é usado por escritórios de advocacia globais como Allen & Overy e Baker McKenzie e equipes jurídicas internas em organizações que incluem Warner Media, McDonald’s e Carlsberg. Antes de fundar a Avvoka, Eliot foi advogado de fusões e aquisições na Slaughter and May, em Londres, Inglaterra.

Regulação da IA, ética e compliance

O painel “Regulação de IA e Ética” abordou o cenário dos impactos do uso de Inteligência Artificial no cotidiano. “O que é transparência e a quem vai caber o exame das decisões e critérios sobre o que pode ser considerado lícito ou ilícito na utilização deste recurso?”, indagou Alexandre Pacheco Silva, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O que fica claro, segundo ele, é que cabe amadurecer algumas decisões. “Um algoritmo pode decidir a alocação de recursos públicos. Se não sabemos como foi o procedimento, como podemos solicitar uma reversão, caso seja ilícito?”, exemplificou ele.

Fernanda Campagnucci, Diretora Executiva da Open Knowledge Brasil, chamou a atenção para o uso dos dados: “No caso do Poder Público, a aplicação da IA merece um debate maior. É um campo da democracia que exige atenção e discussão”.

Júlia Maranhão sugeriu, por exemplo, mecanismos de certificação e selos de confiabilidade. “É preciso fomentar a criação de entidades de autorregulação, para determinar objetivos de interesse público a serem alcançados, criar o material de base na qual as questões setoriais específicas sejam tratadas”.

Outro painel realizado foi “Compliance em Tempos de Grandes Desafios Econômicos”, que reuniu Chantal Pillet, Diretora de Compliance do Carrefour, Roberta Codignoto, Sócia da Pró Integridade, Gustavo Biagioli, Chief Compliance Officer & Legal Director da Demarest Advogados, Alexandre Albuquerque de Almeida, Head of Legal and Compliance da Catho, e Clauber Souza, Gerente Geral Jurídico, Riscos, Compliance e Sustentabilidade da Citrosuco.

“A crise trouxe o fortalecimento da gestão de riscos. As empresas que já fomentam uma cultura neste sentido tinham já no segundo dia de pandemia uma resposta. Foi importante para fortalecer esta visão e consciência”, apontou Roberta Codignoto.

Chantal Pillet completa: “Haverá uma grande disrupção no compliance, o que vai gerar uma grande discussão sobre cadeia de valor. Todo este cenário está apresentando oportunidades para que isso aconteça”.

Pandemia exige atenção nos níveis pessoal e profissional

“Gestão de Pessoas – Pandemia e Exaustão: Como Reverter o Esgotamento” foi outro painel deste último dia. No encontro, Alessandra Sanches, Diretora Administrativa e Financeira da Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados, Angelica Nassour Sampaio, Diretora de RH do Hospital São Camilo, Renata Sadakane Maiorino Arcon, Diretora de Desenvolvimento Humano da Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados, e Simone Salomão, Diretora da Área de Consultoria da TOTVS juriITis, compartilharam experiências sofre os efeitos da crise no cotidiano dos profissionais.

“Foi o momento mais difícil que enfrentamos em 20 anos de escritório. Tínhamos que manter o atendimento e, ao mesmo tempo, cuidar dos nossos funcionários. Implantamos ações como webinars com equipes e escritório, guia da retomada, mensagens diárias do managing, dicas de organização para home office, entre outras. Isso deu impulso para continuar o atendimento ao cliente, as reuniões de governança e tentar manter a rotina, mesmo que diferente”, contou Alessandra Sanches.

Renata Sadakane Maiorino Arcon ressaltou que a pandemia provocou a revisão de algumas práticas: “Tivemos que nos conectar via ferramentas digitais, criar rotinas com a equipe e ressignificar o escritório. Usamos da criatividade e da informação, que é a nossa maior aliada no relacionamento interno e com clientes. Nosso programa de saúde mental lançado há um ano, o Mind, foi vital neste processo. O home office provoca exaustão, a sensação de que estamos trabalhando mais e precisamos acolher os profissionais”.

Simone Salomão, da TOTVS juriITis, reforça a necessidade da atenção nos níveis profissional e pessoal. “O impacto foi completamente diverso nas pessoas. Não adianta querer que o profissional volte a trabalhar se ele está acompanhando os filhos em aula em casa. Tivemos que exercitar a flexibilidade”, frisou.

Angelica Nassour Sampaio, do Hospital São Camilo, relatou a experiência vivenciada na instituição: “Um grupo de Medicina Ocupacional apontou que a equipe de linha de frente estava exausta. Fizemos uma ação de voluntariado para acolher estes profissionais. Foi um trabalho muito bonito para ajudar as pessoas que cuidam de outras a manterem o equilíbrio. É preciso usar de muita inteligência emocional nesta hora”.

Informatização integral é o grande desafio do Direito

Implantar um sistema de informatização que suporte o andamento de um processo judicial de ponta a ponta é um dos grandes desafios do Direito no País. Esta foi uma das conclusões do painel “A Importância da Tecnologia para Uma Boa Gestão de Política de Acordos”, realizado no terceiro e último dia da Fenalaw 4.0 Xperience.

Participaram do debate Alex Barreto, Diretor Jurídico e Regulatório do banQi, Elzeane Rocha, Coordenadora de Contencioso Cível, Regulatório e Ambiental na Rumo, Paulo Sérgio Ferraz de Camargo, Sócio Advogado da Ferraz de Camargo Advogados, e Yve Carpi de Souza, Head do Jurídico Comercial, Energia e Contencioso da Raizen.

“A informatização dos acordos e dos processos judiciais como um todo está evoluindo, mas ainda são necessárias as ações presenciais. O desafio a ser superado é como aplicar a tecnologia na execução de processos, do ponto de vista de como os dados serão geridos e analisados”, situou Paulo Sérgio Ferraz de Camargo, abordando a questão no âmbito global da Justiça no país.

Nas empresas, os avanços prosseguem. “Nosso objetivo é utilizar tecnologia em todo o contencioso. É, no entanto, um processo contínuo, pois o futuro vai se reinventando a cada momento. Queremos entregar eficiência em custo e boa performance nas atividades com inteligência jurídica. A tecnologia ajuda a reduzir os litígios, sempre com a preocupação de apresentar as regras de forma clara para os consumidores”, ponderou Yve Carpi de Souza.

Alex Barreto citou um exemplo: “No banQi, criamos um projeto onde reservamos um período na agenda para ouvir as reclamações dos clientes, entender qual é a dor deles e isso ajuda a melhorar a experiência do aplicativo, verificando se há algum risco com a proteção de dados, entre outros pontos”.

“Judicialização em Tempos de Crise” foi outro tema tratado em painel. O debate reuniu Ana Nery, Sócia da Nery Advogados, Humberto Chiesi Filho, Diretor Jurídico do Mercado Livre, e Thiago Rodovalho, professor da PUC Campinas, examinando como setor jurídico está buscando soluções alternativas para resolução de questões judiciais.

Ana Nery citou o exemplo do setor securitário: “Foi um segmento onde foi possível chegar a soluções sem judicialização, durante a crise provocada pelo novo coronavírus: “Pandemias são casos excludentes de seguro. No entanto, as empresas seguradoras aderiram a um movimento de não promover a exclusão no período. Isso é um exemplo de autorregulação do mercado, que deu fôlego para as empresas no momento difícil. As coberturas e assistências foram mantidas”.

Painel discute os direitos humanos e a tecnologia

Paula Lippi, professora e especialista em Compliance do IBMEC, e Marina Feferbaum, professora e coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), debateram, na tarde deste último dia de Fenalaw 4.0 Xperience, o tema “Direitos Humanos e Tecnologia”.

Elas apresentaram o conceito de Human Rights by Design, que abrange o processo de inclusão das normas nas fases de concepção, pesquisa, desenho, teste e manufatura de inovações tecnológicas, buscando a conformidade com os direitos humanos na produção e uso da tecnologia.

“A tecnologia não é neutra”, destaca Marina Feferbaum. “O ambiente online traz uma nova camada de existência que provoca problemas e desafios que antes não existiam. A Internet é cada vez mais presente e nossos dados permanecem nas redes. É necessário discutir os danos que a utilização desses dados podem provocar”, destacou.

Paula Lippi completou: “Também é fundamental discutir como os dados são inseridos e organizados na Internet. Quando se busca a palavra CEO no Google aparece geralmente um homem branco engravatado. O algoritmo pode reforçar e até amplificar preconceitos e olhares enviesados”.

Alexandre Pacheco Silva, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

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