A LGPD no Judiciário protege dados pessoais ou esconde informações públicas?

A regra no Poder Judiciário para processos físicos e eletrônicos é: acesso livre para todos

Adriel Santana e Paulo Barreto (*)

Nos últimos anos, as movimentações e as novas regulamentações relacionadas à proteção de dados demandaram que os setores se adaptassem e reformulassem os processos. O impacto dessas mudanças foi sentido principalmente pelo setor público, pois medidas sobre privacidade de dados têm sido cobradas desses órgãos.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) é um exemplo recente de regulamentação que estabelece diretrizes sobre a coleta e a utilização de informações, cabendo aos entes públicos e privados realizarem as medidas necessárias para atender tais determinações. Nesse sentido, temos uma chamada de atenção para o Poder Judiciário devido ao volume de dados pessoais que são coletados.

Aqui, é preciso fazer um adendo importante sobre a digitalização judiciária, tendo em vista que, ainda em 2019, mais de 77 milhões de processos estavam em tramitação e, desse total, 73% eram eletrônicos, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O órgão aponta ainda que, nove em cada dez processos se iniciaram por vias digitais em 2019. Além dessa questão digital, outro adendo para continuarmos é de que as ações judiciais brasileiras, por Lei, precisam tramitar publicamente, salvo exceções.

Isso significa que as informações pessoais contidas nos processos judiciais podem ser acessadas e visualizadas abertamente por meio da Internet. Apesar de os envolvidos receberem senhas de acesso e os juízes poderem optar pelo segredo de justiça, a regra no Poder Judiciário para processos físicos e eletrônicos é: acesso livre para todos.

No caso de processos físicos, qualquer pessoa pode ir diretamente a um cartório judicial para acessá-lo, fotografá-lo e até anotar seu conteúdo. Nos eletrônicos, com um simples registro virtual perante um dos 91 tribunais que compõe nosso Judiciário, todos os 1,2 milhão de advogados com cadastros ativos na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) podem acessar os dados de qualquer pessoa que ingressou com uma ação judicial, desde a primeira instância até o Supremo Tribunal Federal (STF). Importante: isso só não acontece numa ação que esteja sob segredo de justiça, que é a exceção no Judiciário.

Fixação de prazos para arquivamento e descarte

Vale ressaltar que os processos judiciais físicos, mesmo após encerrados – quando teoricamente cumpriram com sua finalidade – só podem ser descartados após um período fixado pelos respectivos tribunais. Ainda que existam regras gerais estabelecidas pelo CNJ, cada tribunal é livre para fixar prazos próprios maiores para o arquivamento definitivo e o descarte dos processos.

No âmbito digital, não é incomum observar que, em praticamente todas as instâncias do Judiciário, existem processos encerrados há muitos anos que permanecem acessíveis na íntegra, situação que dificilmente aconteceria caso sua tramitação tivesse acontecido no formato físico.

Há ainda uma preocupação sobre a integridade dos dados contidos nos processos e a infraestrutura digital utilizada judicialmente após os recentes ataques por hackers ao STJ e aos tribunais federais e estaduais, que apontaram vulnerabilidades na preservação e destinação das informações pela Justiça.

Todo este cenário indica que o Judiciário possui um desafio estrutural e legal a ser enfrentado caso pretenda se adequar à LGPD, além de uma busca pelo equilíbrio entre a transparência das ações públicas, que englobam os processos judiciais, e a proteção dos dados pessoais, pois ambos são pontos fundamentais para uma sociedade justa e ética.

(*) Da esquerda para a direita, Adriel Santana e Paulo Barreto, advogados e consultores de Forense e Investigações Empresariais na ICTS Protiviti

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