Julia Franco, sócia do Cescon Barrieu na área de Regulatório Mercado de Capitais
Obrigação da segregação é muito relevante por garantir que o patrimônio dos clientes não se misture com o das exchanges, proporcionando maior segurança jurídica e transparência ao mercado
O Projeto de Lei nº 4401/2021, que regulamenta o mercado dos criptoativos no Brasil, foi aprovado no Plenário da Câmara dos Deputados nessa terça-feira, dia 29, na Câmara dos Deputados. Como já passou pelo Senado Federal, agora será encaminhado para a sanção da Presidência da República.
Para a sócia do Cescon Barrieu na área de Regulatório Mercado de Capitais, Julia Franco, é preciso tomar cuidado para que a regulamentação infralegal que será editada a partir da nova lei seja adequada e não ofereça excessos aos investidores. “É preciso que tanto a lei quanto a regulamentação a ser editada se limitem a tratar dos pontos que efetivamente tragam segurança jurídica, sem inibir a inovação e arranjos contratuais legítimos. A regulação é positiva se promove o desenvolvimento sustentável do setor, mas pode ser muito prejudicial se for excessivamente restritiva”, adverte ela.
Um dos pontos de maior polêmica diz respeito à segregação patrimonial, que estava presente no projeto do Senado e foi retirado ao chegar na Câmara. A obrigação da segregação é muito relevante, segundo Julia, porque garante que o patrimônio dos clientes não se misture com o das exchanges, garantindo maior segurança jurídica e transparência ao mercado.
“É interessante que a lei não tenha tanto detalhe, e que delegue ao regulador o poder para na prática estabelecer os termos da regulamentação, por estar mais próximo do mercado. Mas, no caso da segregação patrimonial, isto deveria estar na lei. Não é algo que o regulador, como o Banco Central, por exemplo, poderá prever na regulamentação própria com a mesma segurança”, explica.
“Em uma situação extrema, de o tema ir para o Judiciário, ou mesmo na hipótese de decretação de uma liquidação extrajudicial, é preciso estar claro em uma possível liquidação de massa falida que aquele patrimônio é do cliente”, destaca a advogada.
Instituições de pagamento
A segregação patrimonial por força de lei é conhecida pelo Banco Central e adotada com sucesso no caso das instituições de pagamento, destaca Alexandre Vargas, associado sênior do Cescon Barrieu na área de Serviços Financeiros. Conforme previsto na Lei nº 12.865/13, o patrimônio das instituições de pagamento (e dos demais participantes de arranjos de pagamento, como as subcredenciadoras) é legalmente segregado do patrimônio de seus clientes e do fluxo de recebíveis que por elas transita.
“A segregação patrimonial foi efetivamente testada em 2018, em um precedente que ganhou muito destaque no país, o caso Neon. Naquela ocasião, embora o Banco Central tenha decretado a liquidação extrajudicial do banco no qual eram mantidos os recursos dos clientes da instituição de pagamento (depositados em contas de pagamento), a segregação patrimonial foi respeitada e tais recursos foram excluídos do regime de liquidação extrajudicial do banco, sem acarretar prejuízos aos clientes, o que é importante para a credibilidade do sistema”, assinala. A segregação patrimonial foi originalmente criada em 2013 e expandida, no contexto da pandemia de Covid-19, em 2020, sempre por meio de dispositivos de lei.
Os especialistas avaliam, ainda, que um ponto frequente de preocupação diz respeito às fraudes, principalmente pela ausência de obrigações relacionadas à Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD).
“Hoje, a depender das características do criptoativo, ele pode sim ser regulado, como no caso de criptoativos que sejam valores mobiliários. Nesses casos, a CVM tem plena competência sobre tais criptoativos. No entanto, havia uma lacuna referente aos criptoativos que não são valores mobiliários, o que a nova lei busca endereçar e será objeto da regulamentação infralegal a ser editada pelo regulador competente, que ainda será definido”, finaliza Vargas.