Empresas que seguem políticas sustentáveis tendem a entregar melhores resultados, têm menor custo de capital e apresentam um menor risco, ou seja, pode ser muito rentável investir com esta consciência
Marina Leite (*)
ESG – Environmental, Social and Governance, em português também é comum a sigla ASG, que se refere a fatores ambientais, sociais e de governança. O novo cenário que se vem formando não coloca o lucro em primeiro lugar como fator decisório na hora de aplicar o dinheiro. O investidor passou a considerar também a forma como a empresa trata as pessoas, o meio ambiente e a comunidade.
Essa tendência tem tomado conta do mercado, graças ao crescimento das práticas ESG e a consequente valorização das marcas/empresas que demonstram — não apenas em palavras — ser responsáveis com a sociedade, o meio ambiente e inclusive seus colaboradores. A relevância deste tema vem se acentuando desde 2010, ficando ainda mais destacada nos últimos três anos, conforme ilustra o gráfico do Google Trends para o termo ESG no mundo.
ESG é um conceito e uma tendência mundial. Investidores e analistas de todo mundo têm adotado metodologias de análises que englobam esse viés. Associadas a isso, as novas gerações estão mais conscientes do impacto que podem causar no ambiente e nas comunidades onde vivem. Suas atitudes estão mais alinhadas aos seus princípios, o que compreende também suas decisões de investimentos.
Quais são os princípios do ESG?
Os princípios ESG englobam um conjunto de critérios adotados por investidores no momento de analisar as empresas e compreender qual o grau de interação dessas empresas com questões sociais e ambientais e ainda se estas adotam padrões criteriosos de governança corporativa.
Estes fatores proporcionam a possibilidade de uma análise integral dos principais riscos e oportunidades da empresa a ser investida, assim como o grau de comprometimento da mesma com o desenvolvimento sustentável (Integração ESG ou ESG Integration).
Entre os critérios que podem ser adotados pelas empresas podemos destacar:
o Critérios de conservação do meio ambiente, como o adequado gerenciamento de resíduos, a busca pela eficiência energética, a redução de emissão de gases poluentes, o incentivo ao uso sustentável de recursos genéticos da biodiversidade;
o Critérios de responsabilidade social, como a efetivação dos direitos trabalhistas e de segurança do trabalho, a promoção do bem-estar no ambiente de trabalho, a atração e retenção de talentos, o incentivo à diversidade, o marketing responsável e a preocupação com os direitos humanos e com os impactos na comunidade; e
o Critérios e práticas de governança corporativa, como a constituição de conselhos mais diversos, a delimitação da responsabilidade dos diretores e acionistas, o respeito à legislação, a adoção de valores éticos na condução dos negócios, a promoção de práticas anticorrupção e a transparência na prestação de contas.
Princípios para o Investimento Responsável
O conceito do ESG foi sendo desenvolvido ao longo dos anos, com a preocupação crescente da adoção de padrões sociais e ambientais na gestão das empresas. Os esforços nesta direção culminaram com a criação dos Princípios para o Investimento Responsável (ou Principles for Responsible Investment — PRI) em 2006, uma iniciativa da Organização das Nações Unidades (ONU) e de investidores para integrar os temas ambientais, sociais e de governança corporativa na condução de investimentos sustentáveis.
Para reforçar ainda mais este tema, no Brasil a B3 criou este ano em parceria com a S&P Dow Jones o índice S&P/B3 Brasil ESG. Esta iniciativa coloca no mercado a possibilidade de mais uma opção de investimento em empresas sustentáveis, somando-se ao Índice de Sustentabilidade Social (ISE) e o Índice de Carbono Eficiente (ICO2).
De acordo com a B3, as empresas elegíveis ao Índice são ponderadas pela pontuação ESG da S&P Dow Jones Indices, com base na Avaliação de Sustentabilidade Corporativa (CSA). Aquelas que não atingirem pontuação suficiente dentro dos padrões, sociais, ambientais e de governança corporativa, não entram no novo índice.
Um ponto a ser considerado é que ser uma empresa ESG vai muito além de cumprir determinadas regras de fachada, devendo este fato ser levado muito a sério. O que se espera é que o mercado evolua nessa análise a fim de realmente considerar em sua diversificação empresas que seriamente seguem os critérios ESG.
Essa foi inclusive a tentativa com a criação do Novo Mercado, que perdeu seu foco central em colocar em evidências aspectos de governança corporativa, para ser reduzido a um conjunto de itens como classe única de ações, percentual de conselheiros independentes, de free float, adoção de tag along, etc.
Transição para uma economia sustentável
Gosto do alerta de Melanie Brooks, da CARN Capital, em seu artigo “Mind the Gap: From Exclusion to ESG to Sustainability”, quando ela ressalta que esse maior interesse em investir de forma sustentável é sem dúvida positivo, pois o retorno financeiro tem, sim, um papel importante a desempenhar na transição para uma economia mais sustentável e equitativa.
No entanto, alerta ela, “o diabo está nos detalhes. Investimento sustentável é um termo abrangente que cobre uma gama de estratégias com abordagens e resultados muito diferentes. Isso resultou em termos com significados muito diferentes sendo usados aleatoriamente, com o ESG sendo confundido com sustentabilidade ou mesmo usado como um sinônimo para cleantech. Este infeliz desenrolar pode resultar na melhor das hipóteses em confusão e, na pior, em uma má alocação de capital. Os investidores precisam entender as características e limitações das várias abordagens”.
Isso facilitará os investimentos em soluções sustentáveis e evitará que os investidores fiquem desapontados com o que encontram em carteiras comercializadas como sustentáveis, mas que na prática ficam aquém desse rótulo.
Finalmente, adotar princípios ESG na análise das empresas é trazer questões cotidianas à mesa de discussão, que afetam diretamente as projeções de resultado: crescimento, margem, capex, até custo de capital e taxas de desconto. Gestores de companhias preocupados com a sustentabilidade de longo prazo tendem a reduzir riscos, conter a volatilidade de fluxos de caixa futuros e incrementar o retorno de suas companhias.
Diversidade e boas práticas
Sob o viés social, essas empresas adotam, por exemplo, indicadores de diversidade social, com maior alocação de mulheres em cargos de gerência, ou ainda empresas com boas práticas administrativas e ambientais podem evitar perdas expressivas de capital com causas trabalhistas ou multas por danos ambientais.
Estes aspectos têm trazido ao olhar do mercado que investir em empresas ESG não é apenas moda ou um aspecto que a crise do coronavírus colocou em evidência. Empresas que seguem práticas sustentáveis tendem a entregar melhores resultados, têm menor custo de capital e apresentam um menor risco, ou seja, pode ser muito rentável investir com esta consciência. Para o CEO da BlackRock (gestora com mais de US$ 7 trilhões sob gestão), Laurence D. Fink, empresas que não operam com propósito são incapazes de gerar lucro no longo prazo.
Aqui no Brasil, o potencial para este mercado é enorme. Segundo dados da Anbima, as carteiras de ações que alocam capital em empresas sustentáveis têm crescido no mesmo ritmo com que essa categoria avança lá fora, com um crescimento em torno de 29% em 12 meses até junho/20. No entanto, o volume aqui ainda é pequeno, totalizando R$ 543 milhões em junho/20, o que representa apenas 1% do patrimônio de fundos no país, contra 36% no mundo.
Maximizar retornos e reduzir riscos com a possibilidade de construir um mundo melhor, este é o objetivo com os princípios do ESG. Um caminho sem volta, em uma sociedade que se vem transformando e prestando mais atenção em questões que não estão diretamente ligadas ao dinheiro em si, mas que são fundamentais para perpetuidade dos negócios e para o lucro de todos os envolvidos.
(*) Head de Relações com Investidores da Invisto Venture Capital