É trabalhoso, mas é possível chegar aos responsáveis logísticos, financeiros e políticos pelas ações terroristas. O Direito Digital será fundamental para o avanço das investigações.
Este artigo não é sobre política, não se trata de defender posição à direita, esquerda ou centro. Todos os cidadãos têm o direito de ter suas opiniões e preferências e todas elas devem ser respeitadas, nos termos de nossas leis.
No último domingo, 8 de janeiro, presenciamos atos orquestrados com o objetivo de atacar o Estado democrático de Direito, com ações terroristas e de vandalismo e invasão aos prédios dos Poderes da República, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto.
Segundo o Ministro da Justiça, Flávio Dino, após muita quebradeira no patrimônio público, a situação está normalizada, centenas de golpistas foram detidos e presos e investiga-se quem seriam os organizadores e financiadores deste movimento.
O Governo Federal decretou intervenção federal até 31 de janeiro no Governo do Distrito Federal, o que se ampliou por meio da decisão do Ministro Alexandre de Moraes, de afastar por 90 dias o Governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha.
Frustrada a tentativa de Golpe de Estado, buscam-se agora os responsáveis e o que muito se ouve é sobre a dificuldade de realizar provas da conduta dos envolvidos, inicialmente pela multidão envolvida, o que impede individualizar condutas, e porque todos os suspeitos negam participação.
Tradicionalmente, após um evento controvertido, são feitas notas de repúdio. Com todo respeito, são insuficientes as notas de repúdio para tentativa de Golpe de Estado. A busca deve ser pelos responsáveis e o Direito Digital será fundamental para o avanço das investigações. Ouve-se muito que se deve seguir o dinheiro, o “follow the money” para que se chegue aos financiadores, mas essa pesquisa dissociada dos meios digitais pode não dar o resultado esperado. Outras medidas são necessárias.
De fato, parece evidente que os atos foram financiados por meio de dezenas de ônibus alugados, alimentação para todos os manifestantes e ocupantes das frentes de quartéis pelo país, um número exagerado de fogos de artifício que diariamente são ativados, entre tantos outros artefatos de logística que são necessários para que se mantenha uma grande estrutura.
Entretanto, chegar aos responsáveis logísticos, financeiros e políticos dos atos não parece tarefa fácil. É trabalhoso, mas possível. Por exemplo, para saber quem efetivamente invadiu prédios públicos, basta verificar se o suspeito possui telefone celular e requisitar à respectiva operadora de telefonia a geolocalização do aparelho. Esse tipo de investigação aconteceu nos EUA após a invasão do Capitólio e permitiu identificar centenas de invasores e puni-los.
Monitoramento das redes sociais
Mas, além de saber quem eram os invasores, é possível saber pelo monitoramento das redes sociais quais as lideranças que convocaram os atos e foram mais atuantes. A partir daí, pode-se quebrar o sigilo telemático para verificar as conexões de tais pessoas, bem como deve-se obter o IP (Internet Protocol) dos suspeitos e verificar acessos e comunicações em Internet.
Pode-se inclusive verificar se há IPs fora do país e de onde as ordens podem ter sido emanadas. Ressalto: ainda que se use um celular frio, pré-pago ou sem identificação, a geolocalização permitirá saber de onde foi feita a comunicação com as lideranças. Na era digital, difícil que uma articulação desse porte não tenha deixado rastros.
Ao que tudo indica, parte dos apontamentos citados pelo especialista já estão em andamento. O Ministro Alexandre de Moraes requisitou a quebra de sigilo e a geolocalização de linhas celulares de suspeitos investigados, o que deverá se ampliar após a tentativa golpista deste domingo. Além disso, áreas de inteligência monitoram as mídias sociais e atividades suspeitas terroristas.
Mesmo com cuidados e protocolos de segurança, a baderna não foi impedida, a invasão dos prédios e o vandalismo foi divulgada por toda a mídia, o que indica que algum ou alguns dos órgãos responsáveis pela segurança no Distrito Federal apresentaram falha, seja por omissão ou por má-fé. Aguardemos o andamento das investigações e as responsabilizações.
(*) Sócio da OGF Advogados e presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP)