LGPD: um cenário promissor

Decisão do STF, impedindo a utilização pelo IBGE de dados compartilhados de empresas de telefonia, foi um marco histórico por se tratar de uma importante defesa dos dados pessoais

Rafael Rotundo (*)

Os entusiastas da Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/2018) sofreram um duro revés em suas expectativas quando o Governo editou a Medida Provisória nº 959/2020 retardando a plena eficácia da referida norma para 3 de maio de 2021. No que diz respeito à necessária criação de uma cultura nacional de respeito à proteção de dados pessoais, não haveria momento mais inoportuno para a extensão da vacatio legis.

Isso porque, a despeito do contexto humanitário da pandemia de covid-19, que sem sombra de dúvidas demanda muito mais atenção e cuidados do que a entrada em vigor de uma norma, certo é que, diante da avolumada emergência no controle da circulação dos cidadãos, ante a propalada política de isolamento social, a sanha pelos dados pessoais se intensificou, desde aquela decorrente da geolocalização dos aparelhos celulares controlados pelas operadoras de telefonia móvel, até mesmo à discussão a respeito do resultado do exame laboratorial do presidente da República.

A discussão concernente à proteção de dados pessoais tomou proporções nacionais. Nem os mais fervorosos apoiadores da cultura de proteção de dados imaginavam um panorama tão favorável, como se houvesse um roteiro de divulgação para impulsionar, espontaneamente, diversas discussões a respeito dos direitos por ela protegidos. Diga-se, até a edição da MP 959/2020, a LGPD entraria em vigor em 16 de agosto de 2020, por força do previsto na MP 869/2018.

Foi assim que, após um período de justificada euforia, com as discussões se avolumando e o tema Proteção de Dados cada vez mais frequente no dia a dia do noticiário nacional, foi editada a Medida Provisória nº 959/20, prorrogando sua plena eficácia para maio de 2021. Um tremendo balde de água fria.

Contudo, para desgosto daqueles que imaginavam que a LGPD perderia força e, assim, quem sabe, não cairia no gosto popular, com estímulo do atraso na criação da estrutura que atenderá a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, a proteção dos dados pessoais foi alvo de importante decisão no Supremo Tribunal Federal (STF).

O Plenário do Supremo ratificou as razões da liminar que suspendeu a Medida Provisória 954, impedindo a utilização pelo IBGE de dados compartilhados de empresas de telefonia no julgamento do referendo da ADI 6387 MC / DF.

Direitos à intimidade e ao sigilo

A esse propósito, importante ressaltar que o STF sequer recorreu aos princípios, fundamentos e objetivos da LGPD, evocando, para tanto, a tutela dos direitos constitucionais à intimidade e ao sigilo da vida privada. Aos olhos dos julgadores, a redação da Medida Provisória 954/2020 é demasiado vaga, bem como não restaram claras quais seriam as reais intenções na utilização dos dados pessoais que seriam compartilhados.

Os entusiastas da LGPD já falam em marco histórico e decisão paradigmática do STF, com o que devemos concordar, haja vista se tratar de importante defesa dos dados pessoais. Parafraseando a ministra Rosa Weber, o escopo do tratamento de dados pessoais, em especial as inúmeras possibilidades de manipulação de dados digitalizados, por agentes públicos ou privados, é das maiores preocupações contemporâneas do direito à privacidade. 

No caso concreto, não houve um incidente de vazamento de dados, ou mesmo um ilícito no tratamento, mas sim diversas inconsistências de finalidade, transparência, segurança, proporcionalidade, princípios legais previstos na Lei Geral de Proteção de Dados. O compartilhamento de dados pessoais pelos operadores de telefonia com o IBGE, desejada pela MP suspensa, não se ateve às condições mínimas para o tratamento de dados, expondo, assim, de forma desnecessária uma universalidade de dados pessoais.

O objetivo da LGPD é proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural por meio do tratamento de dados pessoais. A Lei busca o equilíbrio entre o tratamento de dados e a proteção dos direitos fundamentais, de modo a mitigar riscos e estabelecer regras bem definidas sobre o tratamento de dados pessoais.

Assim é que, diante da prorrogação da entrada em vigor da LGPD, o julgado da ADI 6387 MC / DF foi um alento para os ansiosos operadores do Direito, ávidos pela alavancagem necessária dos direitos inerentes à proteção de dados pessoais.

(*) Advogado e integrante da equipe do Luz Moreira Advogados

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  1. Ótimo, é isto mesmo. Segurança digital exige muita atenção ainda mais neste contexto de pandemia,uma vez que a utilização das vias de acesso a internet expandiu- se muito sem o devido preparo dos usuários quanto a proteção de sua privacidade.Por outro lado a forma de realização do Recensceameto do IBGE seria de alto risco na sua efetivação, colocando os cidadãos na mira da eficiência comprovada daqueles que usam a tecnologia de informação ilicitamente.

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