Especialistas jurídicos apontam avanços e lacunas no parecer da autarquia com orientações sobre investimentos em ativos digitais
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou recentemente um parecer com orientações sobre investimentos em criptoativos. Com o Parecer de Orientação nº 40/22, a autarquia visa esclarecer os limites de sua atuação e a forma como deve exercer seus poderes para normatizar, fiscalizar e disciplinar a atuação dos integrantes do mercado de capitais relativamente ao tema.
Advogados especializados consideraram a divulgação um passo importante para a regulação do setor, mas apontaram lacunas.
Isac Costa, sócio do Warde Advogados, professor do Ibmec e do Insper, ex-analista na CVM — onde também atuou como assessor do colegiado —, observa que o parecer trata da caracterização das ofertas públicas pela Internet, com destaque para o papel do idioma e da maior ou menor facilidade de acesso aos valores mobiliários oferecidos a investidores brasileiros. “Pode ser um exercício interessante analisar o caso da stop order recebida pela Binance e a solução de oferecer derivativos apenas em português de Portugal à luz dessa nova orientação”, afirma.
O especialista lamenta que o parecer não exclua expressamente alguns tokens da competência da CVM, como é o caso daqueles que não oferecem benefício econômico direto por meio de dividendos ou participação decorrente do esforço de terceiros (restando ao titular do token apenas eventual lucro pela venda em mercado secundário) ou, então, os tokens de renda fixa cujo pagamento é garantido pelo emissor, sem deixar o risco com o investidor. “Essa exclusão poderia eliminar várias incertezas e ajudar no desenvolvimento de novos projetos de tokenização”, frisa.
Por outro lado, Costa entende que o parecer é um passo importante na construção da regulação dos criptoativos no Brasil, que se mantém conectada ao debate internacional. “Resta saber como será a aplicação das regras vigentes à luz dessas novas orientações e o tempo e a profundidade das respostas a consultas que os agentes de mercado venham a fazer à CVM”, complementa.
Eduardo Bruzzi, sócio da área de Payments, Banking, Fintech & Crypto do BBL Advogados, destaca que o parecer tem somente caráter orientativo, “de modo a não inibir por completo certas discussões no âmbito do Poder Judiciário, as quais observarão maior evolução quando da entrada em vigor de leis federais que disciplinem a matéria”.
Já a criminalista Carolina Carvalho de Oliveira, sócia do escritório Campos & Antonioli Advogados Associados, avalia que a CVM está se aperfeiçoando no entendimento de negociações com criptoativos e manterá atenção para fiscalizar e disciplinar a atuação dos integrantes do mercado de capitais, de modo a dar segurança ao ambiente desta negociação.
“O foco da área criminal continua sendo a proteção do investidor e da poupança popular; a prevenção e o combate à lavagem de dinheiro e à corrupção; controle à evasão fiscal; e prevenção e combate ao financiamento do terrorismo e/ou proliferação de armas de destruição em massa. E, diante de qualquer atitude suspeita, haverá comunicação ao Ministério Público Federal ou Estadual e à Polícia Federal acerca da existência de eventuais crimes de ação penal pública, nos termos da legislação aplicável”, comenta.
Leonardo Freitas de Moraes e Castro, sócio da área tributária do VBD Advogados, valoriza principalmente o fato de o Parecer nº 40/22 indicar as características para se determinar se o criptoativo será ou não um valor mobiliário, “bem como primou pela tecnicidade ao fazer uma abordagem das espécies de token em razão de suas características”.
O advogado também elogia a disposição da CVM em acompanhar de perto as discussões sobre o tema e buscar dar maior segurança jurídica e transparência aos investidores. Ele, no entanto, faz uma ressalva. “Parte do mercado esperava que o entendimento anteriormente manifestado nos Ofícios Circulares CVM 01 e 11 de 2018 sobre a impossibilidade de aplicação direta de fundos de investimento em criptoativos, apenas sendo possível o investimento indireto no exterior, fosse alterado ou tratado especificamente – o que não ocorreu. De todo modo, o parecer vai auxiliar discussões jurídicas sobre tokenização de criptoativos, ainda que de forma não vinculante sob a ótica normativa”, conclui.
Natureza híbrida
Thiago Nicolai, criminalista especializado em Direito Penal Empresarial do DSA Advogados, considera positivo o órgão regulador entender que a tokenização, por si só, não seria suficiente para classificar uma cripto como valor mobiliário.
“No entanto, o próprio parecer deixa claro que existem criptoativos que podem ter natureza híbrida e que sua classificação “dependerá da essência econômica dos direitos conferidos a seus titulares” e “da função que assuma ao longo do desempenho do projeto a ele relacionado”, sendo que tal avaliação será feita caso a caso. O grande problema desse limbo regulatório é a insegurança jurídica para o desenvolvimento de novos tokens”, alerta.
Assim, segundo Nicolai, se a CVM classificar posteriormente um criptoativo como valor mobiliário, os responsáveis terão que se defender em processos administrativos sancionadores e inquéritos policiais ou ações penais pelo crime de exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função (Art. 27-E da Lei 6.385/76). “Portanto, entendemos que apesar de positiva, a regulação proposta pela CVM deve ser aprofundada juntamente com o mercado, visando evitar distorções e punições indevidas”, encerra.