Marcelo Crespo, professor e coordenador dos cursos de Direito da ESPM
Cerne da controvérsia está no equilíbrio entre a proteção da liberdade de expressão e a imposição de um dever de atuação proativa às plataformas na remoção de conteúdos ilícitos
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento que discute a responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos publicados por seus usuários, tendo como base o Artigo 19 do Marco Civil da Internet. Esse dispositivo estabelece que as plataformas só podem ser responsabilizadas caso descumpram uma ordem judicial de remoção de conteúdo considerado ilegal. Ainda restam os votos de sete ministros, e há possibilidade de um novo pedido de vistas, o que pode adiar novamente uma decisão definitiva.
Para Marcelo Crespo, professor e coordenador dos cursos de Direito da ESPM, o cerne da controvérsia está no equilíbrio entre a proteção da liberdade de expressão e a imposição de um dever de atuação proativa às plataformas na remoção de conteúdos ilícitos — o que envolve, inevitavelmente, alguma interpretação do que é ilícito.
“Ministros como Fux e Dias Toffoli defendem uma postura mais ativa das plataformas, permitindo a retirada de conteúdos a partir de notificações extrajudiciais. Eles consideram inconstitucional manter um modelo que dependa exclusivamente de ordem judicial para qualquer remoção de conteúdo que viole direitos fundamentais”, assinala Crespo.
“Particularmente, não considero essa visão como uma questão de inconstitucionalidade — pode ser inadequada diante da realidade atual, mas afirmar que fere a Constituição me parece um equívoco. Por outro lado, há o risco de que um excesso de rigidez nesse dever de remoção se transforme em censura. Essa discussão torna-se ainda mais relevante diante da atenção que atores econômicos e políticos globais vêm dedicando aos movimentos do Judiciário brasileiro”, completa ele.
O professor também aponta a omissão do Congresso Nacional, que evitou enfrentar o tema, inclusive com o arquivamento do Projeto de Lei das Fake News: “Essa inércia pode ter várias causas — talvez até o fato de que alguns parlamentares estejam se beneficiando politicamente das regras atuais”.
Caberia ao STF, segundo Crespo, adotar um posicionamento equilibrado, considerando os impactos sociais de uma eventual declaração de inconstitucionalidade do Artigo 19. Ele defende que o atual regime jurídico de responsabilidade das plataformas digitais precisa ser aprimorado, mas não por meio de sua anulação pelo Judiciário, e sim por meio de debates qualificados no Congresso, baseados em problemas concretos e identificáveis.