O administrador do grupo de WhatsApp na mira da Justiça

Nos Tribunais, já há o reconhecimento da responsabilização do administrador do grupo de WhatsApp em casos de danos morais ou crimes contra a honra, porque a ele caberia o direito e o dever de censurar e moderar, seja para excluir a mensagem ou para excluir o participante ofensor

Thais Kurita (*)

Não importa a idade, classe social, onde vive ou o que faz: você com certeza tem mais grupos de WhatsApp do que pode dar conta. Grupos são mais fáceis, uma mensagem e todo o mundo já está avisado. Também é uma plateia fixa, uma piada e todos riem, satisfazendo o ego do piadista da turma. E é prático. Incontestavelmente prático.

Quem nunca fez ou foi chamado para participar de um subgrupo criado para falar mal de uma pessoa que está no grupo original? Se nunca, talvez você seja o motivo pelo qual o subgrupo foi criado.

Amenidades à parte, saiba que se você for administrador do grupo, cocriador ou tendo sido colocado como administrador pelo criador, há responsabilidades que podem recair sobre você, aliás, sobre todos com o título de administrador.

Já há discussões neste sentido em nossos Tribunais e, nelas, há o reconhecimento da responsabilização do administrador em casos de danos morais ou crimes contra a honra, porque a ele caberia o direito e o dever de censurar e moderar, seja para excluir a mensagem ou para excluir o participante ofensor.

As decisões mencionam algo como “responsabilização do síndico e administrador do grupo, que, além de ter endossado as mensagens, não atuou para conter as ofensas”. Ou então: “Os recorridos devem ser responsabilizados, pois a posição de administradores do grupo social de WhatsApp deve ser exercida com prudência, zelo e diligência, especialmente quando os assuntos versarem acerca de pleito eleitoral, tendo a função também de moderar o debate, a exposição de ideias e as publicações em geral. Não se falando ainda que o administrador tem o poder de excluir, deletar e apagar para si e para todos as postagens com as quais não concordar, especialmente aquelas que sabia serem contrárias à legislação em vigor”.

Covardes empoderados

Veja-se, portanto, que o WhatsApp não é “terra-de-ninguém”, onde covardes podem dizer tudo o que querem, empoderados por fortes paredes que os separam do ofendido.

Aqui, não entraremos no mérito do que é liberdade de expressão, do que é ofensivo ou brincadeira, mas vale lembrar que muitos grupos de estudantes são responsáveis pelo bullying virtual; os familiares costumam causar bate-bocas que levam ao distanciamento de seus membros e os empresariais podem denotar situações de assédio moral.

Em todos eles, vale o bom-senso: se há alguém que não está se divertindo com a piada, é ofensa. E, claro, se existe qualquer situação de discriminação por raça, gênero, por orientação sexual, etária, por deficiência ou de outra natureza, é imprescindível que haja a atuação imediata do administrador.

O mesmo vale para as fake news, especialmente para aquelas que envolvem situações que levam adiante difamação e mentira sobre alguém. Ainda que o Artigo 5º, Inciso IV da Constituição Federal, dê a todo cidadão a liberdade de expressão, a Constituição condena a falta de verdade. Portanto, o administrador do grupo deve checar informações que se assemelhem a fake news, especialmente as ofensivas.

O WhatsApp está no mundo digital, mas está no nosso mundo, portanto a legislação socorre os mesmos direitos fundamentais que existem no mundo real, físico. O direito à honra, à intimidade, à privacidade não se perde como se fossem partículas nano-não-sei-das-quantas.

Assim, o administrador, ao tomar conhecimento de ofensas feitas a terceiros, deve agir imediatamente se não quiser responder pelos danos causados, em razão de sua omissão (inteligência do Artigo 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”).

Situações comprometedoras

Empresas são terreno fértil para o surgimento de situações comprometedoras. Chefes acostumados a “repreender” colaboradores em público usam o grupo para apontar falhas – e, então, surge um subgrupo para o desabafo em relação ao comportamento do chefe e outro para comentar o comportamento do colaborador.

Como a confiança entre os pares nem sempre é eficaz, prints podem ser tirados e encaminhados para os profissionais que sofrem as críticas. E o problema está criado, porque os administradores formaram os grupos paralelos justamente com o objetivo de falar sobre a situação e os profissionais envolvidos nela – nem sempre de forma positiva.

Mas existem também os grupos das mães da escola. Nesses, acontecem discussões acaloradas, reclama-se dos cuidadores e professores e, invariavelmente, espalham-se muitas fake news. As conversas, aqui, também vazam e chegam aos ouvidos de quem foi ofendido.

Nas redes de franquias, esses grupos são típicos e, apesar de ser uma ferramenta muito útil também, muito lá é dito de forma irresponsável, naquele grupo no qual o franqueador não está.

O ofensor, normalmente com problemas em sua unidade, envia mensagens ofensivas, na tentativa de angariar seguidores para se fortalecer perante o franqueador. Infelizmente isso gera um movimento em onda, prejudicando enormemente o relacionamento em geral.

Em todas as situações, caso o administrador prefira se abster de sua tarefa, é preciso que todos os participantes saibam “filtrar” o que é dito. O poder de análise e o bom-senso devem servir a todos igualmente, porque, se o WhatsApp é uma nova e inevitável forma de se comunicar, a fofoca e a desinformação continuam as velhas de sempre, vivas como nunca. 

(*) Advogada, sócia do NPMP – Novoa Prado Maciel Pinheiro Advogados

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