No Brasil ainda não vigora uma legislação específica sobre o patrimônio digital de pessoas falecidas. Para preencher esta lacuna, está em tramitação a proposta de alteração do Código Civil, que visa regular a transmissão da herança digital.
Bianca Assumpção Wosch (*)
Vivemos em uma realidade na qual todas as nossas informações, desde as mais simples às mais importantes, estão armazenadas em aparelhos celulares, tablets e computadores.
Então, é possível que todos já tenham se perguntado: “E se eu morrer, o que acontece com todos esses dados?”. A dúvida é válida e há tempos tem sido objeto de discussão dentro da comunidade jurídica.
No Brasil ainda não vigora uma legislação que disponha especificamente acerca da herança digital, como é chamado todo esse conjunto de informações que integra o patrimônio digital dos indivíduos. Portanto, em regra, aplicam-se as mesmas normas sucessórias da herança “real”.
Entretanto, a ausência de uma legislação específica abre margem para que muitas plataformas digitais não queiram entregar aos sucessores do falecido os dados armazenados dentro da plataforma.
Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reconheceu que, embora inexista legislação específica, o patrimônio digital de uma pessoa falecida, considerando seu conteúdo afetivo e econômico, pode integrar o espólio e, assim, ser objeto de sucessão.
O TJSP firmou o referido entendimento ao julgar um caso em que uma mãe ajuizou ação em face da Apple, a fim de obter a transferência do “ID Apple” de sua falecida filha e, assim, poder acessar o acervo digital armazenado no celular da falecida.
Inicialmente, o pedido da autora foi negado pela 6ª Vara Cível de Barueri, sob o fundamento de que a autorização de acesso aos dados armazenados no smartphone da falecida ofenderia seus direitos à privacidade e intimidade.
Ainda, a sentença sustentou que inexiste qualquer posição expressa da falecida acerca do acesso às suas informações, tornando-se impossível a concessão desse direito aos herdeiros.
Sentença reformada
Entretanto, o Tribunal reformou a sentença, por entender que não se verificou justificativa para impedir o direito da única herdeira de ter acesso às memórias da filha falecida, considerando que, no contexto deste caso, não houve violação a eventual direito da personalidade da falecida, uma vez que esta não fez qualquer disposição específica contrária ao acesso de seus dados digitais pela família.
Buscando colocar fim às discussões semelhantes à do caso mencionado, as quais envolvem os limites da sucessão do patrimônio digital, está em tramitação a proposta de alteração do Código Civil, que visa a regulamentação da transmissão da herança digital.
Se aprovada a alteração, serão incluídas no Código Civil normas específicas sobre herança digital, as quais irão preencher lacunas no ordenamento jurídico, como por exemplo a determinação de que o compartilhamento de senhas, ou de outras formas para acesso a contas pessoais, serão equiparados a disposições negociais ou de última vontade, para fins de acesso dos sucessores do autor da herança.
A regulamentação específica da herança digital é imprescindível para que possamos ter ainda mais certeza ao nos questionarmos “e se eu morrer, o que acontece com todos esses dados?”, e para que, assim, possam ser tomadas as devidas prevenções, como já ocorre quando se fala de herança “real”.
(*) Advogada