O acesso aos magistrados, que já foi mitigado com a tramitação eletrônica dos inquéritos e processos, torna-se ainda mais difícil com o trabalho remoto. Está cada dia mais difícil despachar com o juiz, desembargador ou ministro
Felipe Mello de Almeida* e Luiza Pitta**
O Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior do país, através de seu órgão especial, anunciou a manutenção do trabalho remoto após o término da pandemia, que até o momento não está perto, muito menos tem hora para acabar. Nos termos da resolução do Órgão Especial, até 50% dos magistrados e funcionários da primeira instância e 70% dos servidores da segunda instância poderão trabalhar de casa.
Segundo o presidente do Tribunal, desembargador Geraldo Franco Pinheiro Franco, a “nova realidade não significará distanciamento da Justiça da população ou dificultará os acesos das partes do processo aos juízes”. Segundo o desembargador, a Corte pretende estabelecer metas de produtividade, para os servidores que preferirem pelo trabalho remoto.
As circunstâncias que eram absolutamente previsíveis e aguardadas, embora muito criticadas, tornam-se realidade. A avaliação quantitativa, lamentavelmente, se sobrepõe à qualitativa. Com o uso da tecnologia, sem dúvida nenhuma, tivemos mais dificuldades do que facilidades. A aceleração dos processos, vista por grande parte da magistratura como um avanço, sem dúvida deve ser recebida com ressalvas. A fluidez e a rapidez do trâmite dos processos estão intimamente ligadas ao seu automatismo, que obviamente deve ser duramente combatido.
A experiência destes últimos 15 meses, nos quais, importante ressaltar, tiveram o trabalho remoto imposto por uma pandemia e não para aprimorar os trabalhos, as tarefas simples como a juntada de um pedido de vistas para possibilitar o acesso aos autos, que em tempos normais era quase automática, agora pode levar dias.
O acesso aos magistrados, que já foi mitigado com a tramitação eletrônica dos inquéritos e processos, torna-se ainda mais difícil com o trabalho remoto. Infelizmente a experiência destes meses mostra que está cada dia mais difícil despachar com o juiz, desembargador ou ministro. De fato, a magistratura está mais distante dos advogados e, ao que parece, cada dia mais próxima dos representantes da acusação.
A justiça, sobretudo na área criminal, por impor penas restritivas de liberdade, com mais razão não pode ser automatizada. A pessoalidade do juiz não pode ser mitigada, devendo ser garantido o necessário contato do magistrado com as provas, com os depoimentos, com os interrogatórios e, sobretudo, com a Defesa. As peculiaridades e especificidades de cada processo devem ser observadas e levadas em consideração no julgamento.
Diante dessa nova realidade, que a partir de agora está sendo implementada, tememos que as conquistas adquiridas com muito custo, com muito enfrentamento da sociedade e, principalmente, pela advocacia, se percam em canetadas tortas, na tentativa de impor velocidade desmedia aos processos, sem se preocupar com as garantias constitucionais, entre elas do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
Não se pode esquecer que estes processos serão revistos pelos Tribunais Superiores e o reconhecimento de nulidades insanáveis, os processos deverão ser refeitos gerando grande prejuízo ao Estado, conforme aconteceu em diversas operações consideradas truculentas e injustas, demonstrando que os fins não podem justificar os meios e que justiça não pode ser automática, replicando-se as mesmas decisões (fazendo uso de “ctrl v” – “ctrl c”), como aparentemente muitos sustentam.
*advogado criminalista, especialista em Processo Penal, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico e Europeu
**advogada, pós-graduada em Direito Penal Econômico e associada do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM