A inclusão digital das pessoas com deficiência

Deficientes devem ter pleno acesso aos websites e às informações, de acordo com as legislações vigentes. Melhores práticas desenvolvidas pelo mercado facilitam a acessibilidade. 

Por Luís Rodolfo Cruz e Creuz[1] e Aline Cruvinel [2]

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ou Estatuto da Pessoa com Deficiência[3] (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015) foi promulgada em julho de 2015, e a inovação jurídica visou assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, almejando sua inclusão social e exercício de cidadania.

O marco legal produziu forte impacto no ordenamento jurídico, pois reviu os artigos que dispunham sobre a capacidade da pessoa natural para praticar atos da vida civil, retirando do rol de incapazes as pessoas com deficiência mental. Neste ponto, inclusive, até hoje é motivo de amplo debate, pois não foi pensada para estar em harmonia com o Código de Processo Civil, por exemplo, que continua a dispor da interdição normalmente.

Por outro lado, a Lei merece elogios ao trazer uma série de disposições sobre inclusão da pessoa com deficiência nos mais diversos contextos. Uma importante delas é o comando contido em seu art. 63, que estabelece ser “obrigatória a acessibilidade nos sítios da internet mantidos por empresas com sede ou representação comercial no País ou por órgãos de governo, para uso da pessoa com deficiência, garantindo-lhe acesso às informações disponíveis, conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade adotadas internacionalmente”. Além do mais, os sítios devem expressamente conter símbolo de acessibilidade em destaque.

Nesta esteira, importante destacar que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990)[4] já é incisivo em seu art. 6º, III, ao estabelecer que é direito básico o acesso a informação “adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.

O parágrafo único do art. 6º, incluído pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, reforça a aplicação ao determinar que tais informações devem ser acessíveis à pessoa com deficiência. Ora, é necessário portanto que todas as informações e especificações sejam disponibilizadas para pessoas com deficiência igualmente. Inclusive, vale trazer destaque de que o CDC determina no art. 76, IV, b, que são circunstâncias consideradas agravantes, dos crimes tipificados no código, quando cometidos em detrimento de pessoas portadoras de deficiência mental, interditadas ou não.

No tocante aos bancos de dados e cadastros de consumidores, o CDC expressamente determina, com redação inovada em 2015 pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, que todas as informações devem ser disponibilizadas em formatos acessíveis, inclusive para a pessoa com deficiência, mediante solicitação do consumidor (art. 43, §6º). Tais informações são relacionadas ao aos cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre o consumidor, bem como sobre as suas respectivas fontes (art. 43, caput).

Lembramos, ademais, que os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. (art. 43, §1º), e observar, além disso, todos os mais altos preceitos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018)[5].

Acesso digital precário no Brasil

Um estudo de 2018[6] do movimento Web Para Todos com o World Wide Web Consortium comprovou a precariedade da acessibilidade digital no País. A pesquisa avaliou os 15 maiores websites brasileiros de comércio eletrônico, de acordo com o ranking Alexa no dia 12/01/2018. Na lista estão Americanas, Casas Bahia, Centauro, Dafiti, Extra, Kabum, Kanui, Magazine Luiza, Netshoes, Pontofrio, Ricardo Eletro, Saraiva, Shoptime, Submarino e Walmart. Em 28% dos testes, pessoas com deficiência não foram capazes de concluir a compra por problemas antes ou durante a finalização do pedido. São barreiras no cadastro, para clicar nos botões, na navegação, ao adicionar produtos ao carrinho, gerar boleto ou usar leitor de tela.

Em outubro de 2019, estudo [7] do Movimento Web para Todos e BigData Corp visitou 14 milhões de endereços ativos da Internet brasileira, buscando avaliar o seu nível de acessibilidade. Descobriu que menos de 1% passou nos testes de acessibilidade, ou seja, 99% dos sites do Brasil apresentam barreiras de navegação para pessoas com deficiência.

Encontramos, no website da Essential Accessibility[8], dados de que o Brasil tem 506 mil pessoas cegas e 6,5 milhões com deficiência visual severa, convivendo com grande dificuldade para enxergar. Este é o tamanho do público brasileiro que está sempre em busca de novos websites com acessibilidade para deficientes visuais. Quando não há recursos, esse público jamais retorna ao website visitado. E as barreiras encontradas serão compartilhadas em alta escala.

Mas o que seriam essas melhores práticas e diretrizes internacionais no tocante ao acesso de pessoas com deficiência aos sítios da Internet? Quais são os gargalos identificados nesse setor?

Atualmente, a referência de melhores práticas para sites acessíveis a pessoas com deficiência é o WCAG (Web Content Accessibility Guidelines)[9], ou Diretrizes Para o Conteúdo de Acessibilidade Web [10]. Trata-se de um documento com uma série de orientações (inclusive um check list preciso) que estipula os padrões de acessibilidade digital que devem ser seguidos pelos websites. A primeira versão (1.0) foi lançada em 1999. Depois disso, as diretrizes foram reformuladas em 2008, e o último update data de Julho de 2020 (versão 2.1), com um roadmap para aplicações web em mobile, de setembro de 2020. Todas essas recomendações foram desenvolvidas pelo W3C, o World Wide Web Consortium, que é uma comunidade internacional que desenvolve padrões abertos para garantir o crescimento da web a longo prazo.

Facilitadores da acessibilidade

Hoje no mercado existem alguns facilitadores para tornar o website acessível. A iniciativa Essential Accessibility, por exemplo, desenvolveu soluções abrangentes de acessibilidade que ajudam organizações a seguir as Diretrizes de Acessibilidade para o Conteúdo da Web (WCAG), além de alcançar e manter o cumprimento de normas e regulamentos.

Isso inclui a integração de serviços de avaliação e correção de conformidade com tecnologia assistiva para oferecer uma experiência transformadora para pessoas com deficiência. Tecnologia Assistiva é um termo consideravelmente novo para identificar recursos utilizados que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência, promovendo sua inclusão.

Abaixo apresentamos uma série exemplificativa, mas não exaustiva, de boas práticas para websites oferecerem acessibilidade aos seus usuários, segundo movimento Web Para Todos:[11]:

BOAS PRÁTICAS PARA ACESSIBILIDADE WEB

NO DESENVOLVIMENTO

Códigos mais simples, limpos e com uma semântica adequada costumam ser o melhor caminho para desenvolver um site acessível. No entanto, ainda temos alguns pontos que precisam de atenção, mesmo com um código ajeitado. Os validadores automáticos conseguem nos ajudar em alguns pontos importantes com algumas validações.

DE CONTEÚDO

DE DESIGN

Todo conteúdo digital não textual deve conter descrição da imagem (fotos, ilustrações, tabelas, gráficos, gifs);

O tamanho das fontes deve facilitar a leitura.

Na descrição de imagens, seguimos uma fórmula: o que/quem + onde + como + faz o quê + como + quando + de onde.

Simplificada: formato + sujeito + paisagem + contexto + ação;

As cores devem seguir regras de contraste que contribuem para a identificação dos elementos.

Evite a redundância na descrição. “A foto ilustra” é um pleonasmo. Seja simples, direto;

Os links devem ser facilmente identificados, e não confundíveis com blocos de texto.

Evite, na descrição de imagens, adjetivos que representam juízo de valor (bonito, feio, bom, mau etc.);

Links que direcionam para fora do site precisam ser identificados.

Os conteúdos em vídeo devem ter audiodescrição. Ela deve contextualizar o conteúdo em vídeo sem atrapalhar a compreensão do áudio original;

Todo elemento informativo, como ícone, precisa de um elemento textual que o descreva.

Todo conteúdo em vídeo com texto falado deve possuir versão legendada (para surdos alfabetizados em português);

Evite alinhamento centralizado nos blocos de texto e não utilize textos justificados.

Além das legendas, é crucial que o conteúdo tenha, também, janela de Libras (com avatar digital ou tradutor-intérprete), para surdos não oralizados;

Evite texto em itálico, pois essa formatação dificulta a leitura.

Conteúdos em áudio (como podcasts) também devem ter transcrição em texto;

O espaçamento entre os elementos deve ser consistente e não deixar dúvidas entre a relação do conteúdo.

É recomendável que todos os sites tenham um avatar digital para interpretação em Libras, para surdos não alfabetizados em português;

O usuário deve ter controle sobre as animações do site.

Os textos precisam ter uma estrutura mais simples, com frases e parágrafos curtos, ordem direta, voz ativa, sem figuras de linguagem ou termos pouco usuais;

 

Os hiperlinks dentro dos textos devem indicar o destino do link. Evite “Clique aqui”, “Saiba mais”, “post”. Prefira: “Acesse o site (nome do site)”, “Saiba mais no portal (nome do portal)”. Isso porque muitos cegos navegam somente pelos links;

 

Redes sociais, como o Facebook e Instagram, contam com alguns recursos para acessibilidade e têm páginas e fóruns específicos para esclarecer dúvidas e anunciar novidades.

 

Em breve resumo de um tema visivelmente amplo, destacamos que o direito de informação do consumidor abrange, igualmente, a pessoa com deficiência.

Devem ser garantidos a todos o direito de convívio social e exercício de cidadania, o que inclui trânsito facilitado aos sítios eletrônicos, com condições amplas de acesso a informação clara e específica sobre produtos e serviços, bem como as precisas e facilitadas indicações das ferramentas para reclamação ou cancelamento de comprar realizadas quando necessário.

Por fim, recomendamos, sempre, buscar orientação legal quando diante de um caso concreto.

[1]              Luís Rodolfo Cruz e Creuz, Advogado e Consultor em São Paulo, Brasil. Sócio de Cruz & Creuz Advogados. Doutor em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP (2019); Certificate Program in Advanced Topics in Business Strategy University of La Verne – Califórnia (2018); Mestre em Relações Internacionais pelo Programa Santiago Dantas, do convênio das Universidades UNESP/UNICAMP/PUC-SP (2010); Mestre em Direito e Integração da América Latina pelo PROLAM – Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo – USP (2010); Pós-graduado em Direito Societário – LLM – Direito Societário, do INSPER (São Paulo) (2005); Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. E-mail: luis.creuz@lrcc.adv.br – Web:  www.lrcc.adv.br – Twitter: @LuisCreuz LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/luis-rodolfo-cruz-e-creuz/

[2]              Aline Cruvinel, Advogada em São Paulo. Advogada Associada de Cruz & Creuz Advogados. Pós-Graduanda em Direito Corporativo e Compliance pela Faculdade Escola Paulista de Direito – EPD; Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail: aline.cruvinel@lrcc.adv.br

[3]              Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm . Acesso em 13.out.2020.

[4]              Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm . Acesso em 12.out.2020

[5]              Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm . Acesso em 12.out.2020.

[6]              Estudo disponível no seguinte endereço eletrônico https://mwpt.com.br/estudo-sobre-navegacao-em-sites-de-e-commerce/ . Acesso em 12.out.2020.

[7]              Estudo disponível no seguinte endereço eletrônico: https://exame.com/negocios/releases/99-dos-sites-do-brasil-apresentam-barreiras-de-navegacao-para-pessoas-com-deficiencia/. Acesso em 12.out.2020.

[8]              Essential Accessibility : https://www.essentialaccessibility.com/pt-br/ . Acesso em 12.out.2020.

[9]              WCAG – Web Content Accessibility Guidelines : https://www.w3.org/ . Acesso em 12.out.2020.

[10]             Diretrizes Para o Conteúdo de Acessibilidade Web. Disponível em https://www.w3.org/Translations/WCAG20-pt-br/WCAG20-pt-br-20141024/ . Acesso em 12.out.2020.

[11]             BOAS PRÁTICAS PARA ACESSIBILIDADE WEB. Disponível em https://mwpt.com.br/acessibilidade-digital/boas-praticas/ . Acesso em 12.out.2020.

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