Fabiano Dolenc Del Masso, professor de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie
Docente da Universidade Mackenzie destaca a dianteira tecnológica alcançada pelo setor, mencionando especialmente a modernização protagonizada pelo Poder Judiciário
De alguns anos para cá, a área jurídica no Brasil, em particular o Poder Judiciário, vivenciou uma forte aceleração na adoção de novas tecnologias. Esse fenômeno contribuiu decisivamente para os ganhos de agilidade observados na condução dos processos e dos trâmites legais, a redução da burocracia e a otimização dos recursos, com menor uso de mão de obra especializada.
Esta notável transformação foi constatada por Fabiano Dolenc Del Masso, professor de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, em entrevista concedida ao site Law Innovation. A seguir, publicamos a primeira parte da conversa realizada com o especialista.
Law Innovation – De modo geral, como o senhor está vendo a adesão da área jurídica às novas tecnologias? O peso do conservadorismo é ainda preponderante ou já se percebe uma intensificação do processo de modernização do setor?
Fabiano Dolenc – Vejo um desenvolvimento extremamente acelerado no uso de tecnologias na área jurídica. As tecnologias surgiram e foram imediatamente aplicadas aos tribunais e aos processos, sobre os quais incidiu a maior parte das inovações. Hoje temos praticamente toda a atividade jurídica exercida de forma digital, o que confere uma grande mobilidade para se trabalhar em qualquer parte do Brasil, sem a necessidade de se ir a determinados lugares. Um advogado pode cuidar de processos em algumas cidades nas quais jamais esteve.
Isso se deve à introdução dos processos digitais. Salvo no caso de processos um pouco mais velhos, hoje praticamente toda a Justiça opera de modo digital. Essa facilidade nos auxiliou na possibilidade de distribuição de ações, na realização de quaisquer petições, de acesso aos tribunais no caso de recursos. Nós usamos ferramentas digitais para consultar os processos.
Essas foram mudanças a que tivemos de nos adaptar, independentemente de qualquer preparo e voluntariedade. O desenvolvimento tecnológico impôs esta adaptação, com todos começando a trabalhar de modo muito tranquilo em relação a estas mudanças.
Hoje, praticamente uma das fontes do Direito ou uma das possibilidades que temos de conhecer o Direito que antes não eram muito utilizadas, que eram os precedentes judiciais, as jurisprudências, passaram a ser as principais fontes de consultas dos advogados e dos demais profissionais da área.
Quando uma pessoa traz um problema, a primeira coisa a fazer é dar entrada em um tribunal que seja competente para aquela matéria e realizar uma busca em relação a possíveis litígios que já tenham discutido o problema em questão. Hoje temos a possibilidade de ter acesso a um caso julgado que foi proferido um dia antes ou mesmo no próprio dia. Passamos a conseguir ler praticamente no mesmo dia os resultados, os acórdãos, as decisões proferidas. Isso virou um material de trabalho que as tecnologias nos proporcionaram.
Law Innovation – O senhor diria que estes avanços se generalizaram pelo conjunto do Poder Judiciário, em suas diferentes instâncias e ramificações?
Fabiano Dolenc – Nenhum tribunal, de nenhuma matéria, está hoje muito atrasado em relação aos demais. Quase todos utilizam a tecnologia, quase todos os processos são digitais. Esse avanço tecnológico começou a se acelerar de uns cinco anos para cá. No início, algumas cidades não estavam preparadas. Mas hoje praticamente quase todas as distribuições devem ser feitas de forma digital. Todos os tribunais recebem os recursos digitalmente. Não há mais a necessidade, por exemplo, de o advogado ir ao fórum e fazer protocolos.
Isso facilita também a colocação dentro do sistema de novos documentos. As perícias são protocoladas também digitalmente. As próprias decisões judiciais também podem ser proferidas de modo mais rápido. Antes, quando precisávamos consultar uma parte do processo, ou você tinha que estar com ele ou você tinha que ter um arquivo com todas as peças processuais. Hoje nada disso é necessário. Esses recursos facilitaram o trabalho dos escritórios de advocacia, economizando o espaço físico ocupado por estes arquivos. Agora todos os arquivos são digitais, possibilitando o acesso a todos os dados do processo.
Law Innovation – Mais detalhadamente, que tipos de soluções estão propiciando este ganho de agilidade no Poder Judiciário?
Fabiano Dolenc – Uma das maiores mudanças foi a criação do processo digital. Não apenas em relação aos tribunais, houve também avanços nos mecanismos que passamos a utilizar na digitalização de documentos. Abriu-se a possibilidade de peticionarmos imediatamente. Antes, quando se fazia um protocolo, a petição chegava ao processo 15 ou 20 dias depois. Hoje, se faz um protocolo eletrônico e depois de 10 minutos já começa a aparecer aquela determinada publicação dentro do processo.
As plataformas digitais usadas atualmente permitem suportar serviços das mais variadas naturezas. Elas possibilitam por exemplo compor as intimações nos tribunais. Quando chega uma intimação, um advogado pode se manifestar sobre um laudo ou um recurso de apelação. O software já vai intimar a respeito, fazer a contagem de prazo e, dependendo de como o cliente estiver cadastrado no escritório, remeter a um determinado advogado.
Com as famosas lawtechs, surge a possibilidade de a Inteligência Artificial realizar todo tipo de trabalho, o que inclui a redação das peças. Temos também softwares que nos auxiliam na mediação. Em uma ação trabalhista, por exemplo, uma empresa pode ter contato com a parte contrária para já instaurar algum tipo de mediação.
Law Innovation – Como o senhor analisa a irradiação destas ferramentas no conjunto da área jurídica?
Fabiano Dolenc – Os departamentos jurídicos das empresas, os escritórios de advocacia de grande, médio e até pequeno portes, todos eles estão utilizando com muito mais frequência essas tecnologias. Antes, dependendo do escritório, eram necessários muitos advogados. Naqueles que trabalham com advocacia em massa, com uma quantidade de ações muito grande, atendendo bancos, seguradoras, etc, era preciso mobilizar de 200 a 400 pessoas. Hoje, provavelmente, com 20 ou 30 profissionais o escritório consegue realizar a mesma atividade.
Antes precisávamos de advogados ou estagiários para acompanhar processos no fórum. Hoje, com a tecnologia proporcionada pelos tribunais, tanto na primeira quanto na segunda instância, a possibilidade de consultas fica muito mais fácil. Raramente um profissional precisa ir ao fórum, a não ser para despachar um pedido urgente pessoalmente ou para comparecer a uma audiência.
O próprio recolhimento das guias judiciais, o preparo de recursos, o levantamento dos honorários, coisas que dependiam de uma série de burocracias que eram concretizadas materialmente, podem ser feitos de uma maneira muito mais fácil. Atualmente há uma necessidade muito menor de profissionais para fazer serviços mecânicos dentro das profissões jurídicas.