Especialista da consultoria Alvarez & Marsal defende que medidas contribuem para evitar consequência das ações em massa de insolvência
Em tempos de pandemia com reflexos imprevisíveis na atividade empresarial, o Poder Judiciário já experimenta um aumento significativo nas demandas relacionadas à recuperação judicial. Estima-se que entre 2100 e 2500 empresas necessitem ajuizar ações com este objetivo até o segundo trimestre de 2021, de acordo com a consultoria Alvarez & Marsal, especializada em conduzir processos de reestruturação.
Os números expressivos expõem a importância de os tribunais brasileiros regulamentarem o sistema de mediação pré-processual e evitar mais um colapso. “Se todas as empresas descumprirem seus contratos já em execução e procurarem a Justiça, teremos uma avalanche de processos. É preciso puxar o freio”, afirma a advogada Ana Carolina Reis do Valle, do escritório Kincaid | Mendes Vianna Advogados.
Segundo a especialista no tema, o Poder Judiciário adota medidas semelhantes ao sistema multiportas americano – caracterizado por oferecer meios alternativos para resolução das pendências, como negociação, conciliação, mediação e arbitragem.
É o caso do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que instituiu o projeto-piloto de conciliação e mediação pré-processuais e virtuais para empresários e sociedades empresariais, cujo negócio esteja relacionado à produção e circulação de bens e serviços. O objetivo é promover a autocomposição de disputas correlacionadas aos efeitos da pandemia.
“Trata-se de uma medida que visa garantir celeridade às disputas, bem como evitar o ajuizamento em massa de ações referentes a questões empresariais de insolvência diretamente relacionadas à pandemia”, explica a dra. Ana Carolina, especialista em direito marítimo e contencioso e arbitragem.
A advogada explica que, após receber a solicitação, o TJSP irá designar uma audiência de conciliação. Caso não cheguem a um acordo, será então designada uma sessão de mediação presidida por alguém de comum acordo entre as partes. Se o processo não chegar a um consenso, o mediador será designado pelo próprio TJSP. “Já no caso do acordo ocorrer, este será homologado por juiz competente e constituirá título executivo judicial”, detalha a especialista. O piloto funcionará por até 120 dias, após o encerramento do sistema remoto de trabalho instituído pelo tribunal, com a possibilidade de ser prorrogado.
Já no TJ-PR, as negociações já são realizadas no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), criado especificamente para atender empresas em risco como um passo pré-processual. O centro já começou a funcionar na Comarca de Francisco Beltrão, mas a ideia é que a medida seja expandida para outras comarcas. A advogada lembra que apenas as empresas habilitadas pela Lei 11.101/05 podem utilizar esse serviço.
No Rio de Janeiro, há a intenção de se implantar projeto semelhante. “Mas ainda não se sabe se será um serviço inserido dentro da estrutura do Cejusc ou se será implementado um novo centro.”
Outra iniciativa é a plataforma online desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça para realização de audiências de conciliação e mediação. Em um primeiro momento, a ferramenta vai auxiliar a solucionar os conflitos relacionados à covid-19. “A ideia é que seu uso seja estendido posteriormente para outras questões. Soluções semelhantes podem ser interessantes para a renegociação de dívidas e débitos com a administração pública, por exemplo”, diz a especialista.
Para ela, o que se observa é uma grande evolução na cultura brasileira de judicialização ocasionada pela pandemia, possibilitando a criação de novas ferramentas para desafogar o Judiciário. “No final das contas, a pandemia pode representar uma excelente oportunidade para modernização e desburocratização dos serviços judiciários”, finaliza.