Projetos aceleram a automação das atividades da área, com destaque para o emprego cada vez maior da Inteligência Artificial
O Poder Judiciário no Brasil segue adotando celeremente tecnologias de ponta para automatizar seus processos e rotinas internos. Nesta verdadeira transformação vivenciada pelo setor, a Inteligência Artificial desponta como a próxima fronteira a ser transposta, acenando com ganhos robustos de eficiência, mas colocando, ao mesmo tempo, o desafio do desemprego e da recapacitação profissional.
Especialistas que atuam na esfera do Judiciário abordaram esta temática em um painel organizado na Futurecom 2019, acompanhado pela reportagem de Law Innovation. Vários aspectos mereceram atenção no debate, sobressaindo em primeiro lugar o salto de qualidade no plano tecnológico que vem sendo dado pelos tribunais no Brasil, na comparação com o passado recente.
Como relata Denise Martins, secretária de Tecnologia da Informação do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, não se trata mais apenas de trabalhar com realidade virtual ou com processos eletrônicos. Naquele órgão, houve um esforço prévio no sentido de realinhar processos e pessoas para que depois fosse implantada uma nova plataforma tecnológica.
“Antes de mais nada, foi promovida uma padronização. Deste modo, a automatização já chegou consolidada ao Tribunal”, recapitula ela. Foi possível, no âmbito da empreitada, prossegue a executiva, pensar em ferramentas mais efetivas e produtivas para dar suporte ao trabalho dos magistrados, fazendo com que as rotinas fossem automatizadas e houvesse ganho de tempo.
Complementando, Edmundo Veras, secretário de Tecnologia da Informação do Supremo Tribunal Federal (STF), nota que, anteriormente, utilizava-se o conceito de “informatização” para descrever a mera eletronização do que era realizado fisicamente.
“Hoje, para facilitar o trabalho, busca-se eliminar elementos desnecessários no processo eletrônico”, assinala. É nesse contexto, adiciona o secretário, que a Inteligência Artificial vem sendo empregada com o intuito de acabar com atividades maçantes e repetitivas. Veras, no entanto, observa que “esta tecnologia é apenas uma ferramenta, tal como uma faca de pão”.
Rodrigo Felisdório, secretário de Soluções de TI do Tribunal de Contas da União (TCU), enfatiza, preliminarmente, que esta unidade do Judiciário elegeu como missão ajudar a aprimorar a administração pública e dar apoio aos seus pares nesse intento, compartilhando ideias e soluções de tecnologia. Nesse sentido, procura hoje liderar um movimento pela inovação e pela redução da burocracia no setor público.
O TCU, particularmente a partir de 2015, efetuou investimentos maciços em TI a fim de modernizar sua operação, em que pesem as restrições orçamentárias havidas. Foi assim que os técnicos se deram conta, a uma certa altura, do elevado potencial da Inteligência Artificial na agilização das atividades.
Ao notar o impacto que esta tecnologia terá na sociedade e no mundo do trabalho, Felisdório adverte: “Ela precisa ser desmistificada. Deve-se entender que não existe Inteligência Artificial sem a inteligência natural”.
Indo na mesma linha, Caio Moysés de Lima, coordenador de Inovação Tecnológica do iJuspLab (Laboratório de Inovação do Judiciário), sublinha: não se pode esquecer que a TI é usada por pessoas. O especialista parafraseia, a propósito, Steve Jobs, o lendário fundador da Apple: “O micro é a bicicleta da mente. Ele nos ajuda a chegar a algum lugar”.
Lima argumenta que os computadores não são sábios, embora possam vir a ser no futuro. E que se deve trabalhar com o que está disponível, empregando a tecnologia para fins específicos. “O uso da Inteligência Artificial tem de obedecer aos princípios da impessoalidade e da publicidade, tornando-se assim compatível com o Poder Público e seus agentes. Não se deve dar ao algoritmo uma liberdade maior do que a concedida aos seres humanos”, preconiza.
A questão do desemprego
Seja como for, o desemprego que a crescente utilização da Inteligência Artificial poderá causar no Poder Judiciário e no Ministério Público é enxergado pelos painelistas como uma tendência inevitável. Edmundo Veras, por sinal, avalia que o tema deveria ser alvo de atenção por parte da administração dos órgãos setoriais.
Ele dá um exemplo concreto do que está em jogo: se a IA for aplicada em uma função como a identificação de similaridades nos processos judiciais, muitos funcionários poderão ser demitidos, encontrando dificuldade para se encaixar novamente. No STF, Veras informa que não haverá dispensas, mas admite que não serão contratados mais servidores. A mesma diretiva se repete no Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, corrobora Denise Martins.
Ao antever um tremendo impacto mais à frente, Rodrigo Felisdório é taxativo: “Não mais vivemos uma era de mudanças, mas uma mudança de era”. Contudo, ao mesmo tempo, ele celebra a enorme capacidade humana de adaptação. “Não vai mais existir uma profissão para cada pessoa. Cada qual deverá ter um range de habilidades, com ênfase na destreza digital”, vaticina o especialista do TCU. Neste cenário, acrescenta ele, caberá às escolas de governo treinar os profissionais do futuro.
Por fim, ao frisar que não pode haver descompasso tecnológico entre os vários setores do Poder Judiciário, Caio Moyses Lima pondera que não é ruim fazer mais coisas com menos gente e que não há sentido em adotar uma postura contrária ao avanço da tecnologia, como ocorreu com os ludistas na Inglaterra, que destruíam máquinas na Revolução Industrial. O momento é de adaptação à nova realidade: “Vai haver muita demanda de programadores e têm de ser implantadas iniciativas de recapacitação profissional”, conclui.