Ricardo Pereira de Freitas Guimarães*
Advogado alerta para a importância de se manter equilíbrio com o home office, tendência que deve ficar no cenário pós-pandemia
Desde o medievo a sociedade inventa e se reinventa. À medida que o humano progride ou regride em certos conceitos e modo de viver, movimentos identificados no tempo com pontualidade descritiva recebem o epíteto de revoluções. Assim tivemos a revolução cognitiva, agrícola, industrial e agora na dita era pós-moderna a revolução tecnológica, apenas para citar aquelas dignas de nota.
Interessante observar que esses marcos temporais se imbricam no tecido social de modo a gerar efeitos inimagináveis em todas as direções e em muitos sentidos, independentemente da própria participação da deidade enquanto crença individual inflada pelo secularismo.
Das cavernas para a tela do computador e “online”; da caça para o mercado do teletrabalho; do cansaço físico para o esgotamento mental; da crença no cosmos para a crença do homem em si mesmo, como o ser “autossuficiente” e soberano; dos recados que demoravam dias para chegar pelo portador para o “WhatsApp”; do homem com temor reverencial ao homem-narciso.
Todo esse escopo – que inegavelmente em certa medida se apresenta como progresso –, carrega consigo um ideal imaginário da busca do homem pela plena felicidade, sem que se perceba que somos apenas um algoritmo inserido em todo o processo social. Este nos parece, o cuidado consequencial do que vivemos, principalmente pelas significativas alterações na forma das relações de trabalho.
Isolados em razão da pandemia do Covid-19, em apurado distanciamento social pela calamidade decretada, na era da tecnologia e da informação, jamais passamos por maior incerteza de informações face à miríade de interesses políticos, que tratam o homem como a vida fosse questão de somenos. Nesse sentido, o retrocesso é evidente.
De outro ângulo, a dita normalidade instalada nas relações entre empregados e empregadores, com trabalho a distância, reuniões telepresenciais, acabaram por transferir em parte considerável do mercado a célula operacional empresarial para o interior dos nossos lares, aproximando grande parte da cadeia produtiva e de gestão para o que chamamos de “olho no olho online”.
E estudos recentes indicam esse novo caminho das relações trabalhistas. Dados recentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou que a migração do trabalho presencial para o home office poderá ser adotada em 22,7% das ocupações nacionais, alcançando mais de 20 milhões de pessoas. Isso colocaria o país na 45ª posição mundial e no 2º lugar no ranking de trabalho remoto na América Latina.
Importante destacar que a quarentena imposta pela pandemia levou 77% das pequenas e médias empresas brasileiras para o home office. Os dados são do estudo global realizado pelo software Capterra e pelo instituto Gartner, com 4.600 profissionais de pequenas e médias empresas da Austrália, Brasil, Espanha, França, Alemanha, Itália, México, Holanda e Reino Unido, entre os dias 4 e 14 de abril. O levantamento revelou que empresas de todo o mundo estão se adaptando ao trabalho remoto. E entre os países analisados, o Brasil é o primeiro lugar em proporção de trabalhadores remotos. A pesquisa também constatou que, antes da pandemia, 42% dos trabalhadores não costumavam trabalhar remotamente e, agora, 55% acreditam que os negócios podem funcionar permanentemente com equipes remotas.
Já outra pesquisa realizada pela Cushman & Wakefield aponta que mais de 80% dos executivos no Brasil enxergam mais vantagens do que desvantagens no trabalho remoto. Além disso, 73,8% das empresas pretendem adotar o sistema home office de alguma forma após a pandemia. São sinais dos tempos, um adaptação acelerada.
Noutras palavras, há mais um ocupante nos nossos lares, pois dividimos a nossa mesa de jantar com os filhos, esposas e agora com a empresa, e tudo isso, muitas vezes, ao mesmo tempo. Enquanto trabalhamos arrumamos o “Ipad” do filho, jantamos, discutimos assuntos familiares importantes, como se fossemos máquinas.
Esse novo normal, se não cadenciado com o cuidado necessário, será capaz de causar o distanciamento dos próximos (família) pela aglutinação indevida dos espaços de tempo do trabalho em nossas vidas. E, de outro lado, a aproximação dos que, por certo tempo do dia, deveriam estar distantes (empresas e negócios), causando importante poluição mental, capaz de gerar significativos problemas em nossa saúde. Nesse caminho sem volta, o equilíbrio significa o reconhecimento de que o antigo cartão de ponto deve ser substituído pelo autogerenciamento do tempo de trabalho e a antiga macarronada da casa da vovó aos domingos, deve ser reinaugurada sem a intoxicação de qualquer meio de comunicação que a atrapalhe. Permita-se viver cada coisa em seu tempo!
*Advogado, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC-SP