Muitas organizações ainda negam a importância dos programas de compliance. Elas não conseguem enxergar a existência de um problema, crise ou risco que podem redundar em prejuízos financeiros ou reputacionais.
Patricia Punder*
Negacionismo virou a palavra da moda desde o início da pandemia. Confesso que era uma palavra que quase não escutava antes desta grave crise global iniciar em 2020. Negar a existência de um problema, crise ou risco tem sido um “modus operandus” comum nestes quase dois últimos anos. Quando negamos alguém ou alguma situação, deixamos de reconhecer a existência deste individuo ou do problema fático. Literalmente, foi quase excluído do dicionário da língua portuguesa a antiga e sabia expressão: contra fatos não existem argumentos!
Se os indivíduos e empresas negam a existência dos fatos, não adianta nem perder tempo tentando trazer argumentos inteligentes e saudáveis. A conversa irá terminar antes de iniciar, pois, segundo os negacionistas, o fato não existe. A mesma premissa pode ser aplicada para muitas empresas que ainda negam a importância de implementar um programa de compliance. Tais empresas não conseguem enxergar o problema, a crise tanto financeira, quanto reputacional.
Situações fáticas de ilegalidade e/ou falta de integridade podem estar sendo compartilhadas nas mídias sociais e televisão quase o tempo todo, mas a resposta que a sociedade irá obter será o desconhecimento que a ilegalidade e/ou falta de integridade existiu.
O Brasil passou por duas catástrofes ambientais terríveis, com milhares de mortes e, até agora, ninguém foi punido. Os fatos existiram, mas a reação da empresa foi de negação: desconheço os fatos, mas tenho um programa de compliance implementado. Outro exemplo a ser citado vem de um grande varejista – que depois do espancamento de um cachorro e morte de um cidadão em suas dependências – agora está diante da morte de um funcionário por desvio de função. Qual a resposta? Desconheço os acontecimentos, mas tenho programa de compliance implementado.
Fica a grande dúvida: por qual motivo as empresas negacionistas informam que tem um programa de compliance implementado? Como dizem os jovens atualmente: “Para sair bem na foto!” Ou seria uma forma de tentar se defender daquilo que a própria empresa negou existir. Existem dois tipos de programas de compliance: os efetivos e os que estão simplesmente no papel. Não existe zona cinzenta quando pensamos nos pilares desses programas. Todos os pilares têm que ser fielmente cumpridos, principalmente o apoio da Alta Administração e a autonomia do compliance Officer.
Poucas empresas têm programas efetivos
Na prática, observamos que são poucas as empresas no mundo que possuem programas de compliance efetivos. Basta entrar no website do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e observar quantas empresas já foram multadas mais de uma vez. Tem casos de a mesma empresa ter sido multada mais de cinco vezes e nada muda. O programa continua não efetivo.
Na realidade mudam os executivos de compliance, mas são mudanças realizadas para que as coisas permaneçam do mesmo jeito. Não existe o real compromisso por jogar diferente. Sempre fizemos assim e demos lucro. Por qual motivo temos que mudar? As regras são feitas para serem quebradas, dizem outros. O medo da mudança tem sido maior que a vontade de inovar e ser disruptivo, pois não garante os bônus de finais de ano.
Com quase dois anos de pandemia, com o triste fim da Lava Jato, o termo negacionismo será uma constante na vida empresarial e pública. Infelizmente, estamos vivendo em tempos muito estranhos, no qual o jargão “vida que segue” se tornou o negacionismo ainda mais evidente e manifesto no Brasil.
* advogada e especialista em compliance na consultoria Punder Advogados