Os estudantes e profissionais do Direito precisam dominar as novas tecnologias como aliadas, tornando-se fundamental deter esse conhecimento para que possam aplicá-las com excelência
Evandro da Silva Soares (*)
Todo avanço tecnológico sempre é benéfico para a profissão jurídica. Porém, temos que ter um olhar crítico sobre as novas tecnologias. Com a Inteligência Artificial (IA), o Metaverso e agora a menina dos olhos da área, o ChatGPT, torna-se essencial estar atento à transformação que podem gerar e saber como acompanhar essa evolução tecnológica.
Eles devem ser vistos como ferramentas que colaboram para quem opera o Direito. Não são obstáculos na carreira jurídica, mas sim agregadores. São auxiliares na pesquisa, pois podem sistematizar procuras em relação à jurisprudência e auxiliar na construção de uma tese jurídica, dentre outras vantagens.
De qualquer forma, a área do Direito tem sido desafiada pelo avanço crescente das novas tecnologias. A pergunta e a forma crítica que devemos levantar é: será que poderemos ser ultrapassados pela tecnologia?
Uma frase muito recorrente nesse meio é que a Inteligência Artificial vai roubar o seu emprego. Escutei uma afirmação que diz que a verdade é que quem vai roubar o seu emprego é quem domina a IA e as tecnologias. Os estudantes e profissionais do Direito precisam dominar as novas tecnologias como aliadas, tornando-se fundamental deter esse conhecimento para que possam aplicá-las com excelência.
Por exemplo, quando falamos do Metaverso, começaram a aparecer situações jurídicas curiosas. Construíram imóveis em cidades virtuais que representam Londres, Paris e Berlim, por exemplo, e as pessoas começaram a comprar esses imóveis para futuramente vender, alugar ou mesmo como forma de marketing. Nessa situação, não há nenhum problema em usar o recurso como um meio comercial.
Mas, se por acaso o meu avatar for a uma loja virtual de armamentos e atirar no seu avatar, ele poderá voltar ao Metaverso? Ainda não há tipificação no nosso Código Penal sobre isso, mas, por outro lado, poderá haver um dano material na esfera civil, na medida em que um avatar dessa pessoa não vai poder mais usufruir do Metaverso.
Então, precisamos conhecer melhor a nossa área para falar sobre esses temas. Assim, o operador de Direito conseguirá construir uma tese jurídica para solicitar uma indenização no caso de um dano que o afetou pessoalmente, mas que aconteceu no mundo virtual. Para isso, não basta dominar a tecnologia, mas é preciso ter conhecimento deste tema.
Erros e mentiras do ChatGPT
De qualquer forma, é importante conhecer os mecanismos e os benefícios, porém não ser dependente deles, pois o ChatGPT, por exemplo, erra e costuma mentir também. Tive uma experiência pessoal em que procurava uma tese de doutorado para um trabalho que estava desenvolvendo. Fiz a pergunta adequada e ele respondeu que havia duas teses que estavam armazenadas, uma no repositório da Universidade de São Paulo (USP) e outra na Universidade de Brasília (UnB), fornecendo-me o nome, o autor e o ano. Fui ao repositório da universidade e procurei pelo autor e não encontrei a obra nem pelo tema e nem pelo ano. Cheguei à conclusão de que a ferramenta criou uma tese fictícia para me atender.
Na minha opinião, o ChatGPT mentiu para agradar o pesquisador e/ou apresentar um resultado. Há um trabalho de pesquisa do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), em que foram analisadas respostas incorretas, alucinações e plágios. Há registro de que o ChatGPT se passou por um ser humano para convencer outro ser humano a trabalhar para ele.
A Inteligência Artificial nos deslumbra e nos desperta, mas não podemos achar que ela é a solução dos nossos problemas, principalmente pelos contornos que poderá tomar em relação ao próprio ser humano. É um desafio no sentido da sua substituição, mas, por outro lado, as falhas e erros provavelmente não seriam cometidos pelos seres humanos, e caso cometessem estariam cientes desse erro.
Na realidade, o desafio, hoje, é você estudar, se aprimorar e completar as suas hard skills (uma gama de habilidades técnicas que o profissional adquire pela formação tradicional) e, na medida do possível, combinar e aplicar as soft skills (habilidades comportamentais), pois há uma necessidade humana de empatia, criatividade, dentre outros atributos. A Inteligência Artificial é só uma ferramenta a mais para apoiar a carreira jurídica.
(*) Doutorando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. É professor de Direito e coordenador do Laboratório Prática Jurídica da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília.