Caio Lima (à esquerda) e Rony Vainzof, sócios-fundadores do VLK Advogados
Diante do desafio global representado pela regulação da IA, as empresas já investem em conscientização para o uso responsável desta tecnologia, com políticas de governança algorítmica e estruturação de Comitês de Ética para lidar com as questões mais complexas
Enquanto formas legais para regular o uso da Inteligência Artificial (IA) e da IA Generativa são discutidas globalmente, o mundo corporativo trabalha paralelamente sobre o tema, diante da importância da tecnologia para seus negócios e da necessidade de abrandar os respectivos riscos.
“A IA e a IA generativa são tecnologias condicionantes para a evolução empresarial e as empresas de todos os setores estão começando a entender a importância de uma boa governança no tema, não só para suavizar riscos legais, mas como forma de motivar a sustentabilidade e a confiança no uso da IA responsável. Elas têm se preparado para mapear usos, finalidades, riscos, questões éticas e formas de mitigação da IA e da IA Generativa no ambiente corporativo, em suas diversas áreas”, diz Rony Vainzof, advogado com mais de 20 anos de atuação no Direito Digital, sócio-fundador do VLK Advogados.
O especialista comenta que dados da consultoria internacional Gartner apontaram que, até 2026, os modelos de IA de organizações que operacionalizam a transparência, a confiança e a segurança alcançarão uma melhoria de 50% em termos de adoção, objetivos de negócios e aceitação dos usuários.
Nesse sentido, há grande demanda de companhias interessadas em realizar o mapeamento de risco do uso de IA de cada área e do tipo de Inteligência Artificial utilizada, de forma a endereçar a governança para reduzir riscos em curto, médio e longo prazos. “Orientação, Letramento, Política de Governança Algorítmica e Comitê de Ética em IA são ações educacionais, preventivas e corretivas que permitem levar segurança jurídica às relações que as empresas mantêm com o mercado e seus variados players, de forma a impulsionar negócios sustentáveis”, elucida o advogado.
Rony Vainzof dá exemplos: “O risco do uso da IA no chatbot de atendimento ao cliente é totalmente diferente da área de proteção ao crédito ou prevenção a fraudes ou da área de saúde. E, mesmo em cada um desses usos, pode haver riscos completamente distintos. Portanto, é preciso criar matrizes de risco para avaliar a alocação e esforços, com equipes multidisciplinares, que envolvem não apenas o departamento jurídico, mas times de segurança da informação, proteção de dados, compliance, relações públicas, sociólogos e todas as que têm ingerência sobre o tema”.
Adequação à estrutura de governança existente
O advogado relata que a Política de Governança Algorítmica e o Comitê de Ética em IA devem ser adequados à estrutura de governança já existente nas companhias, de forma a não criar sobreposições e carga organizacional desproporcional.
Segundo ele, em contato com as equipes multidisciplinares, os times mapeiam as áreas que utilizam IA e criam as matrizes de risco. Então, avaliam a estrutura de governança da companhia para entender sua política.
“Como as empresas já possuem suas políticas de LGPD, compliance e anticorrupção, por exemplo, conseguimos utilizar a estrutura de governança existente e poupar tempo e recursos para implantar as diretrizes necessárias para a política de governança algorítmica e comitês de ética em IA, de acordo com os riscos levantados”, assinala.
A partir daí, os documentos necessários são criados e são definidos quais serão os limites decisórios das áreas e o que caberá à análise do Comitê de Ética. “As grandes companhias já têm seus comitês de ética e aquelas que ainda não possuem essa instituição podem substituí-la por outro grupo”, sugere o sócio da VLK.
Aplicação simplificada dos documentos
A aplicabilidade dos documentos criados dependerá da estratégia de cada empresa, mas Vainzof percebe que as companhias vivem um momento de incentivar o uso da IA, mas de forma responsável. Por isso, a ideia é orientar seus colaboradores a fazerem-no dentro da política de governança algorítmica.
“Assim, criamos documentos em linguagem acessível, em Visual Law, orientando as equipes sobre a melhor forma de usarem a IA, dentre outras necessidades. Dessa forma, chegamos ao objetivo da companhia sem limitar o uso da tecnologia e sem tolher a inovação. É uma espécie de ‘letramento em IA’”, completa.
Depois dessa etapa, é preciso que os colaboradores entendam que ferramentas ligadas à IA serão bem-vindas, mas precisam ser aprovadas internamente. “Pode ser um risco demasiadamente alto, por exemplo, baixar softwares, programas e aplicativos sem autorização da empresa para usá-los no ambiente de trabalho”, adverte.
Da mesma forma, acrescenta Vainzof, a IA precisa ser aprovada por um projeto e isso deve ficar claro entre os colaboradores: “Faz parte da nova capacitação de todos e a política de governança algorítmica está aí para ajustar os comportamentos às necessidades”.
O case Carrefour Brasil
O Departamento Jurídico do Grupo Carrefour Brasil, que tem mais de 1.100 lojas pelo país e emprega 150 mil pessoas, sentiu que era hora de abordar o uso da IA e da IA Generativa com seus colaboradores, já que o acesso a ferramentas de Inteligência Artificial está cada vez mais presente no cotidiano deles.
“Queríamos desenvolver um material de entendimento simples, mas com conteúdo relevante, que realmente mostrasse nossa preocupação com o tema e, ao mesmo tempo, ensinasse nosso pessoal sobre benefícios e riscos do uso da IA”, lembra Jessica Ribas Nogueira Elias, Gerente Jurídica do Carrefour Brasil.
A varejista, então, recorreu à equipe de advogados especializados em Direito Digital do VLK Advogados, que tem como princípio ser um parceiro das empresas em suas áreas de negócios. “A conscientização das equipes deve ser buscada para alcançar segurança jurídica em temas inovadores. Criamos materiais que atingem o objetivo de, estrategicamente, proteger a marca e impulsionar novos negócios dentro da companhia”, explica Caio Lima, sócio-fundador do VLK Advogados.
Assim, foi criado o documento “O jeito Carrefour de usar a IA: forma ética, humana e inclusiva”, manual todo em Visual Law, com dicas práticas sobre o que fazer em situações que envolvem o emprego da Inteligência Artificial.
“Com o cliente, mapeamos as ações mais comuns em que a IA é usada e fizemos a previsão dos problemas que podem acontecer, mostrando ao usuário que a tecnologia é excelente, mas que é preciso tomar cuidado com questões como estereótipos e padrões discriminatórios, direitos autorais sobre imagens e conteúdo intelectual, dentre outras questões”, completa Jean Santana, advogado da banca.
O material foi disponibilizado pelo Grupo Carrefour às equipes em evento durante o qual foram abordados diversos aspectos sobre inovação e os impactos no varejo, incluindo o uso da IA.