Marcus Alexandre Matteucci Gomes, sócio responsável pelo Departamento de Contencioso e Arbitragem do Felsberg Advogados
O próprio sentimento de solidariedade que permeia a sociedade em momentos de comoção social ou calamidade pode movimentar a roda em favor da mediação como solução para diversas controvérsias atuais
Marcus Alexandre Matteucci Gomes e Eduardo Périllier (*)
Vivemos, talvez, a maior crise da história recente. Mesmo as grandes guerras não atingiram de forma tão ampla, rápida e profunda, tantos países quanto a pandemia do coronavírus. É um dos maiores desafios da humanidade, como já declarado por diversas autoridades.
Medidas extremas impõem isolamento de pessoas, quarentenas de cidades, paralisia de atividades não essenciais. Estabelecimentos comerciais estão fechados, há vertiginosa queda das vendas, a liquidez dos mercados já começa a encontrar restrições e o dinheiro, seguramente, circulará menos. Os impactos aos negócios jurídicos são inevitáveis e, sem sobra de dúvida, haverá inadimplência, mora e quebra de contratos.
Como resolver isso de maneira eficiente, com menor uso de recursos e de forma equilibrada para as partes? A pandemia atual pode ser o ponto de inflexão para a mediação como recurso rápido, eficaz, mais barato e equilibrado para as controvérsias contratuais que não podem aguardar pelos demais meios de solução de disputa.
O Judiciário se encontra com prazos suspensos e a maioria das cortes operam em regime de plantão, com capacidade reduzida. A judicialização, em geral, não é um caminho rápido e, não raro, importa em multiplicidade de recursos, ainda que com o louvável propósito de conferir ao processo imparcialidade e justiça.
Crise exige agilidade
Já a solução arbitral não é acessível a todos, nem mesmo, em princípio, adequada a todos os litígios. Os custos são altos e a solução, embora usualmente mais rápida do que a judicial, pode não oferecer a agilidade exigida para momentos de crise, mesmo considerando a existência de procedimentos arbitrais expeditos.
Nesse contexto, a mediação parece uma alternativa a ser seriamente considerada. Entretanto, embora esteja formalmente inserida em nosso ordenamento desde 2015, com a promulgação da Lei Federal nº 13.140/2015, ainda não ganhou corpo na litigiosa cultura brasileira. São poucos os contratos que a têm como alternativa prévia a uma arbitragem ou disputa judicial, muito embora seu emprego prescinda de tal previsão, bastando que, a qualquer tempo, haja acordo de vontades a esse propósito.
Por outro lado, mesmo incentivada no novo Código de Processo Civil, a prática demonstra que pouco mudou em relação à antiga audiência preliminar do art. 331 do CPC de 1973. E isso muito por conta da falta de cultura – ou mesmo de preparação – no emprego da mediação e da negociação como mecanismos eficientes de composição de controvérsias.
O próprio sentimento de solidariedade (na verdade, princípio constitucional – art. 3º, I, da Constituição Federal), que permeia a sociedade em momentos de comoção social ou calamidade, pode movimentar a roda em favor da mediação como solução para diversas controvérsias atuais.
O mesmo se pode dizer, no âmbito do Direito Privado, do artigo 422 do Código Civil, que, ao tratar do princípio da boa-fé objetiva, estimula a observância do espírito de colaboração e entendimento entre partes em todas as fases, desde a gênese até o cumprimento das obrigações acordadas. Reflexos de tal princípio podem ser encontrados, por exemplo, nos remédios previstos pelos artigos 317 e 479 do mesmo diploma legal, que poderiam, em tese, ser discutidos no âmbito de uma mediação, sem instauração de litígio.
Citem-se como exemplo situações locatícias das mais diversas. Hoje temos shoppings centers fechados, bares, cinemas, dentre outras atividades não essenciais. Sem a venda de produtos ou a prestação de serviços, diversas empresas ou empreendedores terão seu fluxo de caixa ou geração de renda prejudicados, diminuindo sua capacidade de honrar suas obrigações locatícias.
Busca de solução equilibrada
Como resolver tal situação, seja do lado do locador, seja do locatário? A negociação, quer entre as partes, quer orientada por um mediador, é uma saída a ser seriamente considerada, garantindo, mesmo que momentaneamente, uma solução equilibrada para a continuidade da relação de forma rápida e eficaz.
Esse exemplo pode ser replicado para outras controvérsias, seja do contrato mais simples ao mais sofisticado e mesmo para hipóteses já em litígio judicial ou arbitral, de acordo com o art. 16 da Lei Federal nº 13.140/15. Basta o desejo das partes. E o uso da mediação para as controvérsias em tempos de pandemia não precisa necessariamente ter todas as formalidades dos procedimentos previstos na Lei Federal nº 13.140/2015, bastando a preservação dos seus princípios.
Enfim, parece ser essa a oportunidade para que a mediação seja parte da nossa cultura de solução de disputas, cabendo a todos estimulá-la para a resolução dos problemas imediatos que nos afligem.
(*) Marcus Alexandre Matteucci Gomes e Eduardo Périllier são, respectivamente, sócio responsável pelo Departamento de Contencioso e Arbitragem e sócio da área de Contencioso Cível do Felsberg Advogados.