Muitas vezes por desconhecimento da nova lei, e até mesmo por sua contemporaneidade, o empresário poderá equivocadamente associar um projeto de adequação apenas como um custo
Daniel Godinho*
Atualmente muito se fala em Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Mas, talvez, pouco se entenda a profundidade do impacto dessa legislação na sociedade e principalmente no mundo empresarial. A mente do empresário está inclinada a buscar maneiras de reduzir despesas e aumentar receitas, consequentemente aumentando também os lucros do seu negócio. É natural que seja assim.
Ocorre que, no contexto da LGPD, muitas vezes por desconhecimento da lei e até mesmo por sua contemporaneidade, o empresário poderá equivocadamente associar um projeto de adequação apenas como um custo. Mas será isso verdade?
Primeiramente é preciso entender a abrangência da LGPD, bem como o tipo de sociedade na qual estamos inseridos hoje. Deste modo, é importante ressaltar que a lei aplica-se a qualquer pessoa física ou jurídica que faz tratamento de dados pessoais com fins econômicos, considerando-se dado pessoal qualquer informação que possa identificar uma pessoa física viva.
Vale ressaltar ainda que, para a finalidade da legislação, é considerado tratamento de dados qualquer ação praticada com informação pessoal, inclusive o mero armazenamento. Dito isso, vale a seguinte indagação: qual a empresa hoje que não faz tratamento de dados pessoais? Talvez depois de pensar um pouco você responda “Nenhuma” ou “quase nenhuma”. Ainda neste contexto, é preciso mencionar que existem exceções ao tratamento de dados pessoais, que não estão sob o escopo da LGPD. Todavia, estas exceções são tão pouco aplicáveis ao ambiente empresarial que não serão abordadas neste artigo.
Sob a ótica social, vivemos em uma sociedade de dados, ou seja, diariamente uma quantidade imensa de dados é tratada simultaneamente, seja para fins econômicos ou não. Este fenômeno chama-se Big Data. Ora, em uma sociedade que utiliza o tratamento de dados pessoais como uma de suas maiores ferramentas, é natural que seja criada uma legislação para regular todo esse tratamento massivo de dados. Voltando mais especificamente para o mundo corporativo, pode-se mencionar pelo menos o impacto da LGPD em seis aspectos de uma empresa, a saber:
Reputação:
O artigo 52, inciso IV da LGPD tem como uma das sanções administrativas aplicáveis a publicização de infração cometida pelo controlador de dados pessoais. Sendo assim, será que o titular de dados ficará confortável em compartilhar suas informações com uma empresa que assumidamente cometeu uma infração de dados pessoais? Qual será o impacto dessa publicização negativa nos negócios da empresa? Esses são alguns questionamentos que vale a pena refletir.
Marketing:
O oposto da publicização de eventuais infrações cometidas por controladores de dados pessoais também serve para a abordagem da LGPD sob o viés do marketing, ou seja, ao passo que é negativo ter uma infração amplamente divulgada, também será positivo para a reputação da empresa divulgar seu programa de conformidade com a legislação.
Reflita sobre o impacto positivo perante o mercado, de uma empresa que está em conformidade com a LGPD e que sabe utilizar esse fato como uma estratégia de marketing. Vale ressaltar que algumas empresas já estão utilizando-se do próprio programa de adequação para fortalecer a sua marca e sua credibilidade. Este tipo de merchandising relacionado à LGPD, quando verdadeira, é absolutamente válida e justa. Afinal de contas, a empresa fez um investimento para realizar o compliance e melhor atender seu público. Neste caso, pode-se enxergar o projeto de adequação não somente como um custo, mas também como um investimento.
Operação:
Você sabia que algumas sanções administrativas da LGPD podem tornar o seu negócio inoperante, podendo implicar até no fechamento da empresa? Provavelmente você não sabia disso, mas é verdade. O artigo 52, inciso XII da LGPD traz a seguinte sanção: XII – proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas a tratamento de dados. Ora, como uma empresa poderá funcionar hoje em dia sem efetuar tratamento de dados? Tal sanção corresponde à própria inviabilidade da atividade empresarial.
Finanças:
Uma das partes mais temidas da LGPD são as multas administrativas, que poderão ser aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados, a partir de agosto deste ano. Tais multas podem chegar a 2% do faturamento da empresa, limitada a R﹩ 50 milhões por infração. Isso mesmo, você não leu errado, R﹩ 50 milhões por infração.
Além das multas administrativas, a empresa também poderá ser responsabilizada civilmente por eventuais danos causados aos titulares, ou seja, tal responsabilização poderá gerar um passivo importante para a organização, caso ela não esteja devidamente adequada ao diploma legal.
Tributos:
Por se tratar de uma obrigação legal imposta a todas as empresas que se enquadrarem ao escopo da LGPD, poderá ser considerada insumo sob o critério da essencialidade e relevância. Deste modo, sendo considerado insumo, a empresa tem a possibilidade de fazer aproveitamento dos créditos de PIS e COFINS, no que refere aos gastos com o projeto de compliance da legislação.
Assim, a LGPD vai mostrando sua força e adentrando em diversos setores dos negócios empresariais, deixando de ser vista simplesmente como um custo ou uma legislação que surgiu apenas para atrapalhar os negócios, quando na verdade a legislação veio regular o fenômeno do Big Data e trazer maior segurança jurídica aos titulares e também aos controladores/operadores.
Mercado Internacional:
No cenário internacional temos a General Data Protection Regulation, ou Regulamento de Proteção de Dados Europeu, como a legislação mais relevante sobre o tema. Vale mencionar que a GDPR já está em vigor desde 2018 e a LGPD teve grande influência desta legislação. Um dos fatores da GDPR muito ligado ao mercado internacional é que só poderá ser realizada uma transferência de dados pessoais para um país terceiro ou uma organização internacional se a Comissão Europeia tiver decidido que o país terceiro assegura um nível de proteção adequado.
Ora, a LGPD coloca o Brasil em um nível mais elevado no que se refere à privacidade, assim consequentemente as empresas que se adequarem ao referido diploma ganham maior visibilidade e competitividade no cenário internacional. Por fim, conclui-se que é necessário ter a real visibilidade de todos os impactos que a LGPD pode causar, a fim de que se dê a devida importância e valorização ao tema.
Não se engane, porque a Lei Geral de Proteção de Dados veio para ficar!
* advogado e DPO do Cerqueira Leite Advogados