Alexandre Pacheco, coordenador do CEPI
Estudo feito com mais de 400 escritórios aponta potencial para adoção de ferramentas avançadas. Novas gerações de advogados devem preparar-se para mudanças na forma de trabalhar.
Não há dúvida de que a tecnologia ganha cada vez mais espaço na área de Direito. Porém, quando a questão é o uso de ferramentas, o mercado apresenta desigualdades significativas geralmente relacionadas ao porte dos escritórios, conforme pesquisa realizada pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito de São Paulo (CEPI).
Outra constatação apontada pelo levantamento é que a utilização mais disseminada da tecnologia contempla ferramentas básicas de organização e cadastro de informações, os softwares de gestão financeira e processual.
Os resultados foram apresentados recentemente, em evento realizado em São Paulo, organizado pela FGV Direito. Segundo a pesquisadora Marina Feferbaum, uma das coordenadoras do CEPI, há um grande espaço para a aplicação do arsenal tecnológico avançado já disponível no mercado.
O universo da pesquisa quantitativa abrange mais de 400 escritórios – desta amostra, 62% são pequenos, com até três profissionais. Em relação às áreas de atuação, 95% trabalham com contencioso – 51% de massa – e 87% são focados em consultivo (a resposta poderia ser múltipla, contemplando mais de uma área). Quase 70% atendem questões trabalhistas e 51% assuntos relacionados à família e sucessão, entre outros.
A grande maioria dos profissionais de Direito ouvidos não tem dúvida da importância da tecnologia no dia a dia dos escritórios e departamentos jurídicos. Noventa e cinco por cento julgam este ativo muito importante ou importante para o setor. Boa parte (65%) dos profissionais afirma que as mudanças significativas neste terreno já estão ocorrendo.
A disrupção tecnológica, que avança cada vez mais celeremente, é vista com otimismo pelos advogados. Quarenta por cento acreditam que o emprego de softwares confere maior agilidade nos processos e no trabalho, o que resulta em ganho de tempo. Pouco mais de 20% acham que a tecnologia é aliada, pois facilita e agiliza as pesquisas, o acesso e a gestão das informações.
Preparo da próxima geração de advogados
O objetivo do CEPI é mostrar se os escritórios estão preparados para a advocacia baseada em novas tecnologias. “Uma questão relevante é o futuro da profissão. Nossa preocupação é como preparar a próxima geração, já que as mudanças são grandes e ocorrem com mais rapidez”, diz o professor Oscar Vilhena Vieira, diretor da FGV Direito SP.
“O Direito é estudado, lecionado e praticado igualzinho nos últimos três mil anos”, completa Horácio Bernardes Neto, sócio sênior do escritório Motta Fernandes Advogados e primeiro brasileiro a presidir a International Bar Association (IBA), que congrega cerca de 100 mil profissionais de Direito Internacional, associações e sociedades de advogados em 170 países.
Segundo ele, a adaptação ao novo cenário é inevitável: “Escritórios do Japão, Estados Unidos e Europa já possuem profissionais como engineering desk, um grupo de advogados altamente qualificado que faz aplicativos que serão usados no escritório, e o legal architecture, encarregados de mobiliar a casa”. A instituição mantém uma comissão permanente para acompanhar as mudanças.
Segundo a pesquisa do CEPI, mais da metade dos escritórios possui suporte de TI terceirizado e apenas 20% mantêm uma equipe interna. “São geralmente grandes escritórios que já enxergam a TI como um parceiro do negócio. Investir em tecnologia é caro”, observa a pesquisadora Marina Feferbaum. “Há desigualdades significativas no uso da tecnologia, geralmente explicadas pelo porte dos escritórios.”
O levantamento mostra que os pequenos escritórios ainda não adotam padrões e tampouco fazem a gestão de conhecimento. “É o primeiro passo para quem vai adotar a tecnologia”, afirma Marina. No entanto, completa, “observa-se uma movimentação interessante dos escritórios de menor porte que apostam na colaboração para investir em tecnologia”.
No geral, são mais usadas ferramentas básicas de organização e cadastro de informação. “Há um amplo espaço para a implementação de ferramentas tecnológicas avançadas diante dos indícios de alta repetitividade dos trabalhos, que se verificam na presença frequente do contencioso de massa entre as atividades dos escritórios e no uso disseminado de modelos”, conclui a pesquisadora.
Desbravadores tecnológicos
Além de mapear o universo dos usuários, o CEPI também procura desvendar o cenário dos desbravadores tecnológicos que formam um ecossistema de inovação. Essa categoria também é parte de um ambiente relacional entre desenvolvedores de tecnologia (lawtechs), escritórios de advocacia e departamentos jurídicos, além dos investidores, faculdades e entidades de fomento, como a Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L).
Foram então selecionados 35 desbravadores tecnológicos, definidos como organizações jurídicas que desenvolveram ou adquiriram tecnologia e, com isso, alteraram de forma significativa uma ou mais atividades na área. A ação dos desbravadores também gerou efeitos sobre a forma como as pessoas realizam o trabalho e como elas fornecem serviços ao seu destinatário final.
O levantamento também visou mostrar quais razões motivaram a adoção de tecnologia para mudar uma ou mais atividades desenvolvidas, além do impacto dessa adesão nas tarefas executadas e nos profissionais, segundo o coordenador do CEPI, Alexandre Pacheco. “A tecnologia é um fenômeno do contencioso de massa, que possui características e condições mais propícias para puxar as mudanças mais drásticas”, explica Pacheco.
Os motivadores das mudanças são a crescente pressão de clientes pela redução do preço por processo, os altos custos de gestão associados ao grande volume de ações, a repetição dos argumentos jurídicos apresentados nas demandas, a expectativa de que a automação de rotinas poderia reduzir erros, além da busca para melhorar a visualização de processos e a produção de relatórios.
Times multidisciplinares
Nesse universo, aparecem os times multidisciplinares com profissionais de outras áreas, como programadores, analistas de sistemas, linguistas, gestores de projetos, entre outros. Os profissionais jurídicos, nesse sentido, devem adquirir outras competências. “As instituições de ensino têm o desafio de aplicar a transversalidade da relação entre Direito e tecnologia. É preciso redesenhar o currículo para que o profissional esteja preparado para atuar no mercado em constante mudança.”
Outro ponto observado é que a substituição por máquinas se concentra em cargos de hierarquia mais baixa. Na visão dos palestrantes, a tecnologia é aplicada em atividades de menor complexidade, devido ao seu caráter repetitivo ou por não exigir domínio de conhecimentos jurídicos.
Eles ressaltaram que o processo de substituição associa-se a uma tarefa e não ao profissional, que poderá desempenhar atividades de maior complexidade. “São exigidos novos conhecimentos e o Direito não poderá ser exercido sem o domínio de um vocabulário mínimo aplicado nesse contexto tecnológico”, conclui Pacheco.