A governança aplicada na empresa não seguia os melhores standards de mercado, mas sim a prática do lucro rápido e a qualquer preço
Patricia Punder (*)
Em 11 de janeiro de 2023, a Americanas tomou o mercado e a sociedade de surpresa ao anunciar, sem qualquer tipo de explicação plausível, que teria identificado um “rombo” na sua contabilidade de R$ 20 bilhões. “Rombo” que, segundo a Americanas, eram meras “inconsistências contábeis”, referentes às operações de “risco sacado”.
Para quem desconhece o tema, trata-se de simples transação de desconto de títulos, na qual os bancos, por intermédio da Americanas, descontam os títulos da varejista junto a seus fornecedores, com a aplicação de um deságio proporcional ao lapso temporal entre a celebração da operação e a data aprazada para a liquidação da fatura negociada. A própria Comissão de Valores Mobiliários, desde 2016, tem recomendação em como deve ser classificada esta operação contábil.
O intrigante foi que a Americanas resolveu não seguir está recomendação e, do nada, surgiu o anúncio do novo presidente, Sergio Rial, que atua no Conselho da Americanas há muitos anos, de “inconsistências contábeis” em apenas 9 dias de sua “gestão”.
No dia 16 de fevereiro de 2023, tivemos o anúncio do novo presidente da Americanas, um expert em reestruturação empresarial. Ou seja, no português mais claro, significa que o novo executivo é especialista em fechamento de lojas e, consequentemente, demissões em massa. Neste mesmo dia, na reunião entre a Americanas e os principais credores, não houve um acordo, e o mais surpreendente foi que a Febraban entrou com um pedido junto ao STF onde cito literalmente parte do conteúdo desta petição:
“Mais ainda, é altamente improvável que, em dez anos, nenhum funcionário das áreas de finanças e contabilidade da Americanas, nenhum diretor, nenhum executivo, e nenhum membro do conselho de administração (pessoas que anualmente preparam e votam as contas da companhia), tenha percebido uma incongruência de duas dezenas de bilhões de reais na contabilidade da sociedade, nem as próprias empresas que auditaram a Americanas ao longo dos últimos dez anos referidos. O curioso é que, mais de um mês depois da divulgação dessa ‘inconsistência contábil’, até agora ninguém sabe o que aconteceu, ao certo, na companhia. Ao contrário, a Americanas insiste intrigantemente – e a presente reclamação é prova inequívoca disso – em não indicar os responsáveis pela ‘inconsistência contábil’, adotando, quase como um modus operandi, medidas em todas as instâncias para evitar a elucidação dos fatos.”
Desde a constituição do Comitê Independente da Americanas, o que temos visto foi o esforço desta empresa em despender milhões de reais com a finalidade de potencialmente tentar encobrir os ilícitos que a levaram à atual situação de insolvência. Para piorar a situação, temos membros deste Comitê Independente com total conflito de interesses. Portanto, fica difícil de acreditar que o resultado oriundo deste Comitê Independente irá, de fato, refletir a verdade dos fatos e os responsáveis.
A reputação da Americanas simplesmente deixou de existir. A forma como tem sido gerida esta crise reputacional tem sido extremamente amadora. Sendo uma companhia de capital aberto, no Brasil e no exterior, com tamanha relevância na sociedade, o mínimo que se esperava era transparência. Tudo isso demonstra que a governança aplicada na Americanas não seguia os melhores standards de mercado, mas sim a prática do lucro rápido e a qualquer preço. Sem reputação, uma empresa não tem mais nada, sua credibilidade perante seus colaboradores, fornecedores, sistema financeiro, dentre outros, simplesmente desaparece. Citando Warren Buffer: “Leva-se 30 anos para construir a reputação de uma empresa e 5 minutos para destruí-la”.
(*) Advogada e CEO da Punder Advogados