A simbiose entre a agenda ESG e o Terceiro Setor

Da esquerda para a direita, Thiago Spercel e Leonardo Sabongi Lavinas Guimarães, ambos do Machado Meyer Advogados

Trata-se de lados de uma mesma moeda, com base na preocupação social, ambiental e de governança, e nesse sentido compartilham objetivos e princípios semelhantes e compatíveis

Thiago Spercel e Leonardo Sabongi Lavinas Guimarães (*)

Existe uma relação de benefício mútuo e sinergia entre o Terceiro Setor e a temática ESG (sigla em inglês para Environmental, Social and Governance – em português, Ambiental, Social e Governança). Tanto as organizações do Terceiro Setor podem adotar boas práticas ambientais, sociais e de governança na condução de suas atividades, espelhando-se nas empresas com fins lucrativos, quanto estas podem recorrer às entidades do Terceiro Setor para ajudá-las em projetos de mitigação de impactos ambientais, sociais ou de equidade, uma verdadeira relação de retroalimentação que gera benefícios para todos.

Não poderia ser de outra forma. Afinal, são lados de uma mesma moeda, fundamentada na preocupação social e ambiental, e, nesse sentido, compartilham objetivos e princípios semelhantes e compatíveis. Deve haver, portanto, uma aproximação entre o Segundo e o Terceiro Setor no fomento da agenda ESG, a fim de impulsionar a geração de valor de acordo com seus propósitos.

O que é ESG?

O tema da sustentabilidade sempre existiu no mundo empresarial, porém de forma impositiva e menos participativa. Historicamente, o principal papel de promoção da sustentabilidade cabia ao governo, que pressionava as empresas com a edição de leis e regulamentação.

Atualmente, a temática da sustentabilidade toma novos contornos. Segundo eles, o mundo empresarial passa a ser pressionado por investidores (por meio da alocação de capital em projetos sustentáveis), consumidores (por meio de boicotes a produtos não sustentáveis), colaboradores (que demandam novos olhares para a gestão do capital humano e atração de talentos) e pela sociedade em geral.

O “capitalismo de stakeholders” deixa de ser bandeira de um nicho restrito de poucas organizações preocupadas com questões sociais e ambientais e agora alcança praticamente toda a economia tradicional. Espera-se um protagonismo cada vez maior das empresas na solução de problemas socioambientais.

A abordagem ESG pressupõe a avaliação de negócios, empresas, instituições e até mesmo países não somente do ponto de vista econômico, mas também de acordo com indicadores ambientais, sociais e de governança. O ecossistema de negócios está evoluindo; aqueles que resistirem ficarão não apenas no lado errado da história, mas também em desvantagem competitiva.[1]

Nesses novos tempos, os consumidores e a sociedade em geral esperam muito mais dos negócios. Eles não se contentam com empresas que buscam somente o lucro. As organizações que aceitarem essas responsabilidades e souberem atender às expectativas de seus stakeholders trarão maiores benefícios para seus acionistas.

Nesse contexto, a temática ESG tem servido como impulso para acelerar o desenvolvimento sustentável – “aquele que satisfaz as necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”.[2]

Entre as métricas mais comumente usadas na temática ESG, destacam-se: (i) Ambiental: gerenciamento adequado de resíduos, gestão eficiente de água, energia limpa e outros recursos, emissão de gases poluentes, desmatamento e biodiversidade; (ii) Social: efetivação de direitos trabalhistas e de segurança do trabalho, atração e retenção de talentos, bem-estar dos empregados, incentivo à diversidade e proteção de gênero, direitos humanos e impactos positivos na sociedade e proteção de dados e privacidade; e (iii) Governança: práticas transparentes de governança corporativa, compliance e promoção de valores éticos na condução dos negócios, composição do conselho de administração e relação com entidades do governo e políticos.

O que é o Terceiro Setor?

O Terceiro Setor – em oposição ao Primeiro Setor (governo) e o Segundo Setor (mercado) – representa o conjunto de organizações privadas não governamentais sem o objetivo de lucro que desempenham atividades voluntárias desenvolvidas em favor da sociedade e de utilidade pública, independentemente dos demais setores (governo e mercado), muito embora com eles possa firmar acordos de cooperação e parcerias e deles possa receber recursos.

O Terceiro Setor é resultado direto da incapacidade do Poder Público de solucionar determinados problemas sociais e ambientais, abrindo assim grande espaço para o protagonismo da sociedade civil.

A atuação do Terceiro Setor promove uma sociedade civil ativa e participativa, que busca o interesse público e proporciona melhores serviços à comunidade. Além disso, torna a sociedade civil mais engajada e interessada em participar das decisões do Estado.

Como o ESG pode ajudar o Terceiro Setor e vice-versa

Tendo em vista as definições anteriores, fica evidente que existem objetivos comuns entre as empresas e o Terceiro Setor na busca de práticas sustentáveis do ponto de vista ambiental, social e de governança.

Diversas práticas ESG desenvolvidas nas empresas privadas podem também ser utilizadas pelas organizações do Terceiro Setor, como as de governança, mensuração de retorno e alocação eficiente de capital, para promover maior eficiência na administração e utilização de recursos. O uso de mecanismos de governança corporativa das empresas privadas pelo Terceiro Setor permite atingir os objetivos de transparência, equidade, prestação de contas e sustentabilidade.

Da mesma forma, podemos imaginar diversas formas de colaboração entre os agentes do Terceiro Setor e as empresas em relação às práticas de ESG. Nesse sentido, as organizações do Terceiro Setor podem, por exemplo, trabalhar em conjunto com as empresas em projetos e termos de parceria ou consultoria, emprestando a experiência e o conhecimento adquiridos na defesa de suas causas, para auxiliar na fiscalização e no desenvolvimento dos indicadores de desempenho ESG.

Seria o caso de uma ONG focada na proteção do meio ambiente que ajuda empresas privadas a verificar o atingimento de métricas de poluição e desmatamento. Ou a situação de uma entidade de combate à desigualdade de raça e gênero que auxilia empresas privadas na adoção de medidas para aumentar a representatividade de mulheres e negros no seu corpo de colaboradores e gerentes.

Ambas as partes se beneficiam: a ONG, avançando sua causa e criando uma nova fonte de captação de recursos e parcerias, e a companhia, com uma maneira mais eficiente de fiscalizar suas métricas, atingir objetivos e alcançar maior transparência no seu comprometimento com tais métricas.

Com a celebração cada vez mais comum de parcerias e convênios entre o Estado e as organizações do Terceiro Setor, acaba restando à Administração Pública a atribuição de fiscalizar as pessoas jurídicas do Terceiro Setor.

Surge então uma grande oportunidade para os gestores dessas organizações aproveitarem as práticas ESG para criarem uma estrutura de governança corporativa robusta, que permita a adoção de mecanismos de controle, e para promoverem a diversidade, respeitar a legalidade e seguirem princípios de responsabilidade social e econômica. Esse processo ajuda a tornar a administração mais eficiente, no intuito de evitar fraudes e corrupção, promover a transparência e tirar melhor proveito dos recursos.

A transparência impulsionada pela governança corporativa também pode aumentar o valor da entidade, ajudando-a a angariar mais recursos e contribuir para seu próprio desenvolvimento e para o de sua área de atuação. Essa adoção das melhores práticas de governança corporativa e de atuação sustentável do ponto de vista social e ambiental pode inspirar mais confiança nos principais doadores, dando a eles mais tranquilidade de que seus recursos serão empregados de forma honesta, eficiente e responsável.

Empresas que adotam o ESG em seu modelo de negócios e seu planejamento estratégico têm um estímulo para promover doações a instituições do Terceiro Setor a fim de ajudá-las nessa causa, tendo em vista seu interesse comum pelo meio ambiente e pela sustentabilidade.

O impacto socioambiental positivo gerado pelas organizações do Terceiro Setor com o apoio das doações empresariais privadas acaba por retroalimentar o sistema e ajuda as empresas a atingir as metas de sustentabilidade exigidas por acionistas, investidores e consumidores. 

[1] Hunt, Vivian, Simpson, Bruce e Yamada, Yuito. The case for stakeholder capitalism, 12/11/2020. https://www.mckinsey.com/business-functions/strategy-and-corporate-finance/our-insights/the-case-for-stakeholder-capitalism

[2] Relatório Brundtland, ONU, 1987

(*) Thiago Spercel e Leonardo Sabongi Lavinas Guimarães são, respectivamente, sócio e advogado do Machado Meyer Advogados.

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