Terceirização e responsabilidade do contratante em casos de trabalho análogo à escravidão

Para mitigar os riscos jurídicos e reputacionais, é essencial que empresas reforcem seus programas de compliance, implementem auditorias rigorosas em suas cadeias de capacitação e invistam na efetiva fiscalização de parceiros terceirizados

Byanca Farias (*)

Recentemente, uma fabricante chinesa contratou mão de obra terceirizada para construir uma fábrica no Brasil. Contudo, para sua surpresa, autoridades brasileiras acusaram a contratante de sujeitar trabalhadores a condições análogas à escravidão e ao tráfico humano.

A denúncia, que gerou repercussão nacional e internacional, aponta para condições degradantes de trabalho, incluindo jornadas exaustivas e alojamentos inadequados. O Ministério Público do Trabalho (MPT) mediou a situação e resgatou 163 trabalhadores, com vistos irregulares, permitindo que voltassem ao seu país de origem. 

Do ponto de vista jurídico, apesar de a empresa ter terceirizado o serviço, há possibilidade de responsabilização indireta pelos atos praticados pela terceirizada. Essa responsabilização ocorre quando uma instituição não exerce a devida fiscalização sobre a empresa contratada, especialmente em relação ao cumprimento das normas trabalhistas.

Além disso, o  Código Penal Brasileiro prevê que submeter trabalhadores a condições degradantes ou jornadas exaustivas configura crime de trabalho análogo à escravidão, o que pode implicar responsabilização direta ou indireta do contratante caso este seja conivente ou negligente.

No Brasil,  segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, as denúncias de trabalho escravo ou análogo à escravidão atingiram um recorde em 2024,  totalizando 3.981 casos. Esse número representa um aumento de 13% em relação ao ano anterior, quando foram registradas 3.461 denúncias. De acordo com a Justiça do Trabalho, há uma estimativa que aponta haver mais de 1,4 milhão de vítimas de escravidão moderna em países de língua portuguesa. 

O Brasil ocupa o 11º lugar no ranking mundial com maior número absoluto de vítimas: o total estimado é de 1,05 milhão de pessoas.  Os números são mais alarmantes em zonas rurais, crescendo de maneira consistente desde 2021, quando o número de vítimas resgatadas voltou a ser maior que 1.000 após sete anos.

A legislação brasileira exige que as empresas assegurem condições específicas de segurança e saúde no trabalho, determinando que as autoridades, bem como os contratantes, sejam responsáveis por prevenir acidentes e fiscalizar o cumprimento de medidas de segurança.

Responsabilização solidária

A negligência em relação a essas obrigações pode gerar responsabilização solidária, em que todas as partes são igualmente responsáveis, mesmo que exista vinculação apenas entre o trabalhador e a empresa terceirizada. 

Os cuidados devem começar já na elaboração do contrato. A inclusão de cláusulas que assegurem o cumprimento de normas trabalhistas, aliadas às fiscalizações contínuas, é essencial para evitar problemas no futuro.

É importante também que as empresas se atentem à necessidade de auditorias mais rigorosas.  Desse modo, em situações de descumprimento de normas, a legislação brasileira dá o respaldo para que empresas contratantes possam restringir contratos sem maiores objeções.

Além disso, é de extrema relevância a adoção de práticas empresariais responsáveis e certificadas pela legislação  local. Para mitigar os riscos jurídicos e reputacionais, é essencial que empresas reforcem seus programas de compliance, implementem auditorias rigorosas em suas cadeias de capacitação e invistam na efetiva fiscalização de parceiros terceirizados. Desta forma, poderão garantir que suas contratações estejam em conformidade com os padrões éticos e legais, preservando sua imagem no mercado global.

(*) Advogada trabalhista do Marcos Martins Advogados

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *