Como algumas organizações dos EUA estão eliminando os programas de Diversidade e Inclusão, existe alta probabilidade de que suas filiais no Brasil também sejam pressionadas a descontinuar ou reduzir iniciativas semelhantes. Pode também haver um “efeito cascata”, pelo qual empresas brasileiras, principalmente aquelas que buscam competir globalmente, sintam-se menos pressionadas a adotar políticas inclusivas.
Patricia Punder (*)
A decisão recente nos Estados Unidos de eliminar ou restringir programas de Diversidade e Inclusão (D&I) tem gerado discussões profundas sobre seus impactos nas empresas e na sociedade.
Essas iniciativas que visavam aumentar a representatividade de grupos sub-representados, promover a equidade e criar ambientes mais inclusivos, sempre foram consideradas pilares para a promoção de justiça social e avanço econômico. Com sua revogação ou enfraquecimento, diversas consequências vão começar a ser observadas, afetando não apenas a dinâmica empresarial, mas também a sociedade.
Nos últimos anos, programas de D&I tornaram-se elementos centrais em muitas organizações, uma vez que equipes diversas geram mais inovação, melhor desempenho. Além disso, iniciativas de inclusão promovem ambientes de trabalho mais acolhedores, melhorando a satisfação e retenção de talentos.
Esses esforços ajudam empresas a atrair profissionais de diversas origens e experiências, refletindo a diversidade dos mercados em que atuam. Com o enfraquecimento dessas políticas, a exclusão de talentos qualificados pode gerar lacunas significativas, tanto no capital humano quanto na capacidade de inovação.
As empresas americanas com atuação global, incluindo no Brasil, tendem a alinhar suas estratégias locais às diretrizes de suas matrizes. Como algumas organizações estão eliminando os programas de D&I, existe alta probabilidade de que suas filiais no Brasil também sejam pressionadas a descontinuar ou reduzir iniciativas semelhantes. Isso pode significar cortes em programas voltados à contratação das minorias, treinamentos de conscientização sobre vieses inconscientes e ações afirmativas para promover a equidade de gênero e raça.
Consequentemente, podemos vir a observar um “efeito cascata” no Brasil, onde empresas brasileiras, principalmente aquelas que buscam competir globalmente, sintam-se menos pressionadas a adotar ou manter políticas de diversidade e inclusão.
Retrocesso significativo
Isso significa um retrocesso significativo que pode abranger empresas de diversos setores e mercados de atuação. Ademais, empresas brasileiras que dependem de parcerias com companhias americanas podem enfrentar desafios para justificar manter um programa de D&I caso essas práticas deixem de ser prioridade para seus parceiros internacionais.
Outra razão para a descrença em programas de D&I é que muitos dos benefícios dessas iniciativas não são imediatos ou tangíveis. Executivos, especialmente aqueles focados em resultados financeiros de curto prazo, podem ter dificuldade em perceber como os esforços relacionados à inclusão afetam o desempenho da empresa. Esses executivos ainda associam o sucesso corporativo a fatores mais tradicionais, como vendas, inovação de produto e controle de custos.
Temos que levar em conta ainda que muitas empresas enxergam os programas de D&I não como um investimento, mas como um custo adicional para a empresa. Por esta lógica existe a percepção de que cortar ou eliminar esses programas vai gerar “economia em gastos desnecessários”.
Departamentos ou áreas de D&I poderão ser desmantelados, colaboradores demitidos e uma série de controles internos (“burocracia”) serão eliminados. O pensamento que fica é que a empresa poderá vir a focar no que é realmente importante: produção e vendas.
Ademais, muitos executivos de empresas acreditam que as promoções e contratações deveriam se basear somente na meritocracia (desempenho e competências individuais). Dessa forma, os programas de D&I são vistos como interferências injustas que favorecem determinados grupos em detrimento de outros.
Cultura corporativa
Outro importante ponto a ser comentado é a questão da cultura corporativa enraizada. Empresas com culturas corporativas tradicionais ou lideradas por perfis homogêneos podem resistir a mudanças que desafiem o status quo. Programas de D&I frequentemente questionam práticas e valores estabelecidos, o que pode gerar desconforto entre líderes e colaboradores. Essa resistência cultural é ainda mais forte em indústrias dominadas por homens brancos, como finanças, tecnologia e construção, onde a inclusão pode ser vista como uma ameaça a práticas existentes.
Apesar do acima exposto, essa decisão pode gerar reações negativas por parte dos consumidores e da sociedade, impactando diretamente a reputação, a fidelidade dos clientes e o desempenho financeiro da empresa.
Em um cenário global altamente competitivo, com a eliminação ou enfraquecimento dessas políticas, as empresas podem correr o risco de perder contratos e parcerias. Muitos investidores e consumidores, principalmente as gerações mais jovens, valorizam profundamente as empresas e marcas que promovem inclusão, equidade e responsabilidade social.
Portanto, caso sejam eliminados esses programas, isto poderá gerar uma percepção negativa de que a empresa está desconectada das demandas sociais contemporâneas. Ao negligenciarem esses valores, essas empresas podem vir a enfrentar boicotes e abalo reputacional.
As pressões nas redes sociais e os boicotes por parte dos consumidores podem levar a protestos públicos, com campanhas negativas vinculando as empresas e seus produtos que não têm mais esses programas. Tais críticas podem atingir as companhias em larga escala, afetando diretamente sua imagem pública.
As empresas devem pensar muito antes de tomarem uma decisão por eliminar ou negligenciar esses programas, pois dependendo da decisão poderão vir a sofrer efeitos negativos, tais como rejeição social, boicotes e perda de relevância no mercado.
(*) Advogada e CEO da Punder Advogados, professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP).