A elevação das taxas de juros nos EUA, impulsionada pela necessidade de controle inflacionário, emergiu como um dos principais fatores que inibiram a realização de IPOs e M&A no Brasil durante 2023 e 2024
Cynthia Catlett, Daiane Nabuco e Thiago Coscarelli (*)
A resposta está na boca de todos os economistas brasileiros. Nos últimos meses, o Brasil tem acompanhado, com uma mistura de apreensão e incerteza, a alta do dólar. Nunca antes a moeda americana alcançou valores tão elevados em relação ao real. Essa disparada do dólar reflete, em boa parte, a política monetária dos Estados Unidos, em especial o aumento das taxas de juros promovido pelo Federal Reserve (FED). As consequências dessa alta não se limitam à vida cotidiana dos brasileiros, mas se refletem diretamente em aspectos fundamentais da economia, como o mercado de capitais, as Ofertas Públicas Iniciais (IPOs) e as Fusões e Aquisições (M&A).
O valor do dólar ultrapassou os R$ 6,20, marcando uma trajetória ascendente que se intensificou em 2023. Além disso, o forte aumento da moeda americana reverbera no mercado financeiro. Com o dólar valorizado, investidores estrangeiros começam a observar mais cautelosos a economia brasileira, temendo o risco cambial.
Esse comportamento resulta em uma fuga de capitais, o que pressiona ainda mais a cotação do dólar e coloca em xeque a estabilidade da economia nacional. Investidores estrangeiros retiraram mais de R$ 3 bilhões da Bolsa brasileira no ano passado. Esse movimento ocorreu devido à forte pressão no mercado financeiro, gerada pela expectativa do pacote de ajuste fiscal sinalizado pelo Governo Federal.
Os recorrentes adiamentos do anúncio intensificaram as incertezas, resultando na queda da Bolsa e na valorização do dólar. Essa dinâmica enfraquece o real, encarecendo importações e contribuindo para um aumento inflacionário em cadeia.
Política monetária do FED
Nos últimos anos, a política monetária do FED, o banco central dos Estados Unidos, desempenhou um papel fundamental na direção dos mercados globais, impulsionada pela posição de destaque da economia americana e pela predominância do dólar no comércio internacional.
O Brasil vivenciou um forte crescimento no número de IPOs em 2021, com 46 empresas listando suas ações na B3 e captando aproximadamente US$ 14,73 bilhões. Entre os destaques dessas operações estavam grandes companhias como Raízen, Smart Fit e CSN Mineração.
Segundo a Quantum Finance, entre 2011 e 2021 foram realizados 118 IPOs no país, sendo 74 apenas em 2020 e 2021. Esse salto em 2021 representou cerca de 64% de todas as ofertas públicas iniciais da última década, evidenciando um pico de atividade no mercado de capitais brasileiro
Contudo, o cenário mudou drasticamente após o início do ciclo de alta das taxas de juros nos EUA e o aumento da Selic, que atingiu 13,75% em 2022.
Dados do Banco Central do Brasil confirmam que a alta da Selic encareceu significativamente o financiamento para empresas, dificultando novas emissões de ações. A combinação de custos financeiros mais elevados e a redução do apetite por risco levou muitas empresas a adiar ou cancelar seus planos de abrir capital. Somente em janeiro de 2022, cerca de 15 empresas desistiram de suas ofertas públicas iniciais, de acordo com dados da CNN Brasil Business.
O mercado de M&A no Brasil também sofreu um impacto significativo devido à alta das taxas de juros. Em 2023, houve uma queda de aproximadamente 9% nas transações de M&A, conforme dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), em comparação a 2022. No entanto, uma análise publicada pelo Valor Econômico aponta para uma retração ainda mais expressiva, com uma queda de 37% no mercado de M&A em 2023 — a maior variação negativa em uma década.
Aumento do custo de capital
A elevação das taxas de juros nos EUA, impulsionada pela necessidade de controle inflacionário, emergiu como um dos principais fatores que inibiram a realização de IPOs e M&A no Brasil durante 2023 e 2024. O aumento do custo de capital, combinado com a crescente atratividade dos títulos americanos, levou os investidores globais se afastarem dos mercados emergentes, resultando em uma significativa desaceleração dessas atividades no País.
No entanto, a expectativa de uma redução gradual das taxas de juros, tanto nos EUA quanto no Brasil, oferece uma perspectiva promissora. Esse movimento pode trazer um alívio ao mercado de capitais, criando um ambiente mais favorável para a reativação dos IPOs e M&A em 2025.
A adaptação das estratégias de investimento e a busca por oportunidades em um cenário de juros mais baixos poderão revitalizar as transações no mercado brasileiro, promovendo crescimento e recuperação nas atividades de capitalização e expansão empresarial.
(*) Cynthia Catlett é VP, Daiane Nauco é Principal e Thiago Coscarelli é Associate Principal da Charles River Associates no Brasil