O uso da Jurimetria na avaliação de acordos e a suposta manipulação de jurisprudência

Ferramenta representa uma evolução legítima das práticas tradicionais de análise por parte dos advogados, apoiando a formulação de estratégias na condução dos processos

Renata Nilsson (*)

Uma das funções do advogado diante de seu cliente é analisar o caso para o qual foi contratado e elaborar a melhor estratégia para se alcançar o objetivo proposto de acordo com a lei, seja como sujeito ativo no processo, seja no âmbito da defesa. Essa atividade envolve também a avaliação de viabilidade de propositura de eventual acordo, em decorrência dos riscos do processo.

Atualmente, as tecnologias disponíveis, com ferramentas baseadas em Inteligência Artificial (IA), auxiliam os operadores do Direito em inúmeras tarefas, poupando tempo e recursos nos escritórios, empresas especializadas em ativos judiciais e departamentos de órgãos do Judiciário. Entre essas atividades facilitadas pela IA, está justamente a análise de risco das ações, com base em estatísticas e decisões proferidas pelos tribunais nacionais.

Há até pouco tempo, essas tarefas eram realizadas por equipes exclusivamente humanas, sem problemas ou questionamentos. Contudo, o uso das tecnologias recentes, que permitem uma análise exponencialmente maior de dados e em velocidade muito superior ao trabalho possível ao ser humano, chamou a atenção para uma atividade que seria chamada pelos especialistas de “manipulação de jurisprudência”.

O assunto ganhou amplitude com a Ação Civil Pública (ACP), processo nº 0010531-94.2023.5.03.0111, proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Em termos gerais, discute-se a possibilidade de uma empresa estar atuando de forma a utilizar a tecnologia ligada à Jurimetria para identificar processos em que o risco de perda seria maior e fechar acordos entre as partes com o objetivo de evitar a formação de julgados desfavoráveis.

A partir desse ponto, muitos questionamentos foram levantados, entre eles a validade dos acordos judiciais entabulados, o papel dos magistrados na homologação dos acordos, a legalidade da atuação da empresa com as propostas nos casos em discussão, bem como a postura ética dos advogados das partes.

O cerne da discussão é se o uso de Jurimetria para verificação de riscos nas ações e eventual propositura de acordos entre as partes não estaria em dissonância com a lei, mas é algo que sempre foi feito, mas antes com análise humana. Não se pode alegar conduta antiética por parte dos advogados, pois a análise por empresa da viabilidade de acordos sempre foi feita, inclusive em termos de incentivo e economia financeira por parte dos departamentos jurídicos.

Diligência na condução dos processos

No que tange à atuação dos advogados, sejam daqueles que se utilizam dessas ferramentas, sejam dos que ainda trabalham à moda antiga, verificando por si ou com uma equipe humana os entendimentos das mais diversas cortes do país, pode-se dizer que agem, tão-somente, com extrema diligência na condução dos processos que patrocinam, buscando economia para o cliente.

Não se deve atribuir uma suposta construção de jurisprudência ou de um hipotético cenário fictício de julgados a uma empresa que propõe acordos em ações que poderiam resultar em decisões desfavoráveis. Antes, caso verificada uma distorção no sistema vigente, seria necessária a atuação do Poder Legislativo, para criação de normas que regulassem e/ou punissem atuações em desconformidade.

O fato é que a legislação brasileira incentiva a composição entre as partes, como se observa, a título de exemplo, no Código de Processo Civil (CPC), em seu art. 3º, §2º, sendo que os acordos podem ser realizados em qualquer fase processual, passando pela análise e homologação pelos magistrados.

Assim, é preciso diferenciar o que se trata de estratégia legítima utilizada pelas partes e seus advogados na condução de processos, seja com o uso de alta tecnologia ou por esforços humanos, daquilo que poderia ser entendido como atuação antiética, como a aludida manipulação de jurisprudência.

(*) Fundadora e CEO da PX Ativos Judiciais. É graduada em Direito, com especialização em Direito Empresarial, e membro ativa do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

 

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