Ary Silveira Bueno, sócio-diretor da ASPR Auditoria, Consultoria e Contabilidade
No quadro de um planejamento estratégico cuidadoso, a adoção de políticas de conformidade adequadas fortalece a transparência e os diferenciais competitivos das empresas
Irineu Uehara
As políticas de compliance, se forem concebidas e executadas corretamente, podem ultrapassar em muito o terreno da gestão de riscos e propiciar a agregação de maior valor aos negócios, em linha com o planejamento estratégico das organizações.
“Se a conformidade for aplicada de maneira inteligente, incidindo por exemplo sobre as relações com fornecedores e clientes, ela pode significar um diferencial automático, às vezes não perceptível à primeira vista”, assinala Ary Silveira Bueno, sócio-diretor da ASPR Auditoria, Consultoria e Contabilidade, em entrevista a Law Innovation.
Na verdade, constata ele, está havendo, particularmente entre os jovens, uma conscientização maior sobre a importância dos valores corporativos e da sustentabilidade, com foco na transparência e na integridade vinculadas à imagem pública de uma empresa, seja qual for seu ramo de atuação.
O executivo lembra que no passado, em contraste, era mais difícil convencer os clientes da centralidade dos programas que visavam manter a saúde dos negócios: “A cultura empresarial de antes não contemplava esta preocupação. Mas agora ficou muito mais fácil colocar em pauta este tema”.
Retrospectivamente, houve um árduo processo de aprendizado com os fatos negativos que se sucederam no Brasil e no Exterior por quase duas décadas. Um divisor de águas, rememorado por Bueno, foram os escândalos deflagrados pelas fraudes contábeis perpetradas por grandes corporações nos EUA, que levaram à promulgação da Lei Sarbanes-Oxley em 2002.
No Brasil, houve também, é claro, os momentosos eventos da Operação Lava-Jato, além de casos envolvendo multinacionais que atuam no País, incentivando o combate mais rígido à corrupção no mundo empresarial.
Outro alerta vem do Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, em que o Brasil caiu nove posições no ranking de 2018. “Ocupamos uma posição vexatória, que é a 105ª entre 180 países. Tudo isso por falta de abertura, de transparência e de propósitos claros”, analisa o entrevistado.
Pela convergência de todos estes fatores, Ary Bueno não tem dúvidas: “Vivemos um extraordinário momento para trabalharmos os aspectos de compliance, envolvendo profissionais como contadores, advogados e especialistas em TI, entre outros atores, para dar conta dos múltiplos aspectos do problema”.
Requisitos para as iniciativas de conformidade
Entretanto, para se desenhar um programa adequado de conformidade, alguns requisitos básicos precisam ser atendidos. Devido à sua enorme relevância, é imprescindível, em primeiro lugar, que a iniciativa tenha um caráter top down, isto é, ela deve partir da cúpula da empresa e descer até os escalões inferiores – e não o inverso.
Em outros termos, o projeto tem de ter como sponsor (patrocinador) a alta direção, o que se traduz, de um lado, em apoio financeiro e, de outro, em incentivos internos que levem à efetivação das medidas de mapeamento e mitigação de riscos. Outro ponto nevrálgico é a compreensão de que não se trata de uma empreitada setorial ou departamental, mas que deve englobar o conjunto da organização.
“Além do mais, não se pode ter um bom compliance sem falar de planejamento estratégico, com suporte nos propósitos e valores da empresa”, preconiza o sócio-diretor. Neste contexto, devem ser avaliados os pontos fortes e fracos, as ameaças e oportunidades colocadas para uma dada companhia.
O entrevistado, aqui, menciona como referência a Matriz SWOT (acrônimo, em inglês, das palavras Strenghts, Weaknesses, Opportunities e Threats), de largo emprego na área de gestão empresarial, que funciona como um diagnóstico de uma corporação ou de um projeto, ancorando a formulação de estratégias.
“Se este planejamento geral for realizado sem considerar os aspectos de conformidade, será perdida uma oportunidade de ouro de se fazer o que deve ser feito. Um eventual sucesso poderá ser temporário ou, no limite, as atividades empresariais poderão ser descontinuadas mais à frente. Ser forte significa ser forte também nas práticas de compliance”, adverte Bueno.
Outro condicionante para o êxito das políticas de integridade, acrescenta ele, é a adequação destas a cada ente, a cada empresa, a cada caso, a cada período, a cada local, enfim, aos mais diversos fatores específicos. Um outro requerimento ainda é fazer efetivamente o que se fala – sem isso, tudo o que for formalizado pode ficar muito aquém do necessário.
Nas implementações, cabe trabalhar tanto os aspectos externos à organização, concernentes às legislações que incidem sobre a área de atuação da companhia, bem como os aspectos internos, que passam pelo código de ética, por um bom manual de RH e outras documentações, que precisam ser redigidas em linguagem simples para que haja entendimento e rápida aceitação por parte dos colaboradores.
“Todas estas questões devem ser consideradas, sobretudo neste mundo em que tudo se torna 4.0, como Economia 4.0, Direito 4.0, Atendimento 4.0, etc. E em alguns casos já se fala em 5.0. Os riscos devem ser mitigados ao máximo, para que se obtenha o máximo de sustentabilidade e perenidade”, frisa o especialista da ASPR.
O papel central da Ciência Contábil
Para lidar com temas tão complexos como esses, o entrevistado é enfático em um ponto: a seu ver, caberia aos profissionais de contabilidade, em suas diversas especializações, a responsabilidade maior pela concepção e execução dos programas de conformidade. Ele explica o porquê.
“Embora os advogados sejam hoje em dia os principais envolvidos nesta área, a Ciência Contábil aponta o melhor caminho a ser percorrido. Isso porque ela é riquíssima, sendo a primeira a ser requisitada e utilizada em qualquer ação empreendedora, desde um carrinho de pipoca até um megaempreendimento, devendo por isso participar da idealização do negócio”, destaca Ary Bueno.
Para atender as exigências legais, complementa ele, deve-se começar por este domínio de conhecimento, antes de qualquer primeiro passo. Até porque a contabilidade congrega numerosas expertises indispensáveis, como as ligadas a orçamentos e custos.
“Tudo isso é usado para se pensar em uma modelagem de negócios, que por sua vez leva à concepção de planos de negócios. É um erro até estratégico cogitar de qualquer ação empresarial sem considerar os requisitos de conformidade essenciais, básicos, derivados da Ciência Contábil”, sublinha.
Evidentemente, ressalva o sócio-diretor, deve haver também a participação de outros profissionais habilitados a tratar de projetos, processos e procedimentos. Nesse sentido, o setor de TI, por exemplo, tem de ser mobilizado no momento de se formalizar um programa: “A tecnologia contribui imensamente para que haja um compliance moderno e atualizado, muito mais adequado a cada realidade”.
No entanto, não se pode esquecer que a própria TI é uma fonte de riscos, como se nota nos graves casos de invasões e ciberataques noticiados em várias empresas. “É preciso portanto considerar os efeitos favoráveis e desfavoráveis da tecnologia. Deve-se saber utilizá-la a nosso favor, criando um melhor e mais atualizado compliance e, ao mesmo tempo, não deixar brechas de conformidade criadas por ela”, recomenda Bueno.