A interdisciplinaridade e o futuro do profissional do Direito

Para o advogado do século XXI, uma habilidade socioemocional se destaca por ser pouco explorada e, ao mesmo tempo, absolutamente necessária à nova atualidade: a interdisciplinaridade.

Victor Cabral Fonseca (*)

Nos diversos ambientes onde hoje se discute o futuro das profissões, há um questionamento perene: quais habilidades serão necessárias para o profissional do século XXI? Essa pergunta, feita e discutida em diversas áreas e campos, também vale para advogados, juízes, promotores e quaisquer outros que se enquadrem entre os chamados “operadores do Direito”.

As respostas variam, entretanto. Há correntes que defendem a necessidade de desenvolvimento de habilidades tecnológicas, como programação e análise de dados, por exemplo; outras ampliam horizontes e afirmam serem necessárias quaisquer habilidades pouco ortodoxas para profissionais jurídicos, como matemática e contabilidade. Outra vertente, contudo, é taxativa: mais que habilidades e conhecimentos, é preciso preparo emocional.

A esse “preparo” são dados variados nomes: competências socioemocionais, soft skills ou subjetividades são alguns deles. Dentre os que defendem sua priorização, podemos destacar a professora Michele DeStefano, docente em Harvard e na Universidade de Miami. Em obra publicada há alguns anos, DeStefano posiciona as soft skills acima de qualquer outra habilidade técnica; pontua, em seu favor, que ter um preparo socioemocional é um fator diferencial a qualquer profissional do Direito.

Podemos explicar essa preferência por vários motivos. A princípio, entendemos que faculdades de Direito possuem, em sua maioria, formatos muito parecidos (o “combo” aula, prova e trabalho teórico, com apenas um pouco de estágio). Assim, alunos normalmente não encontram nos cursos de graduação um ambiente propício para se preparar emocionalmente para o mercado de trabalho.

Habilidades a desenvolver

Além disso, vale lembrar que, em sua maioria, habilidades socioemocionais devem ser mais desenvolvidas do que aprendidas. Ou seja: não é possível um dia acordar e fazer um curso de empatia, por exemplo. Isso torna seu desenvolvimento particularmente difícil e, portanto, explica a posição de destaque que assumem nos trabalhos de DeStefano e outros que compactuam com seu pensamento.

Podemos citar várias soft skills necessárias para o advogado do século XXI: resiliência, tolerância ao erro, humildade e mesmo a própria empatia são exemplos. No entanto, uma habilidade socioemocional se destaca por ser pouco explorada e, ao mesmo tempo, absolutamente necessária à nova atualidade: a interdisciplinaridade.

Vivemos um tempo em que diferentes disciplinas se fundem em prol de uma prestação de serviços mais completa a clientes. As Fintechs, por exemplo, unem tecnologia a serviços financeiros tradicionais para oferecer uma experiência diferenciada à população geral. Em um e-commerce, psicólogos e analistas de dados combinam seus conhecimentos para oferecer produtos e anúncios personalizados a potenciais clientes. No exercício do Direito, assim, não seria diferente.

O prof. Richard Susskind, muito conhecido por estudar a interação entre Direito e tecnologia, resume esse fenômeno com a teoria do “furo na parede”. Susskind compara um cidadão usuário da Justiça a um comprador de uma furadeira em uma loja de ferramentas: ao visitar a loja, a pessoa não quer realmente comprar uma furadeira. Ela quer, na verdade, o furo na parede. Se encontrar uma ferramenta melhor, mais barata ou mais eficiente que a furadeira para atingir seu objetivo, ela certamente irá preferi-la.

O que isso tem a ver com a interdisciplinaridade no Direito? Na busca por um serviço mais orientado às necessidades de clientes ou cidadãos, o “furo na parede” do usuário – o resultado de um processo, a resposta a um questionamento legal, entre outras possibilidades –, novas disciplinas podem ajudar, e muito.

Recursos visuais e análise de dados

Por que em vez de produzir um contrato em texto, por exemplo, não utilizar recursos visuais para uma melhor compreensão? Para uma decisão estratégica em um caso prático, por que não utilizar análise de dados para fundamentar o planejamento? Essas são apenas duas situações que exemplificam como o Direito pode utilizar outras áreas – design e ciência de dados, respectivamente – para oferecer à pessoa do outro lado uma experiência diferenciada. As oportunidades são muitas.

Então o jurista deverá aprender design ou fazer uma análise de dados? Não necessariamente. O ideal seria entender seu valor, aprender a dialogar com os profissionais da área e compreender como incorporar isso ao jurídico. Por essa razão, interdisciplinaridade é uma competência mais socioemocional do que técnica.

E mais ainda: interdisciplinaridade e colaboração caminham de mãos dadas. Ao perceber que o Direito não deve mais se isolar de outras disciplinas, temos aqui uma grande chance de quebrar o paradigma de que as ciências jurídicas, apesar de serem necessárias a todos os cidadãos, pouco conversam com seus usuários reais.

Em suma: utilizamos outras disciplinas para que o Direito se aproxime da sociedade e, no fim do dia, seja mais inclusivo e acessível. É como se diz: o futuro do Direito é mais colaborativo do que simplesmente tecnológico.

(*) Advogado e head do ThinkFuture, programa de inovação de TozziniFreire Advogados

 

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