Diante do advento de novos serviços, produtos e da multicanalidade advinda da Era Digital, não é de se espantar que a economia digital no Brasil venha acompanhada de grande insegurança jurídica e fiscal
Giuliano Gioia (*)
Ao analisar o cenário tributário brasileiro, é quase redundante salientar a complexidade fiscal já tão característica do País, não só pelo alto volume de obrigações – são mais de 90 tributos e 150 arquivos digitais que variam nos âmbitos federal, estadual e municipal –, mas, principalmente, pela subjetividade e dificuldade na interpretação da legislação.
Prova disso é a quantidade de processos levados à Justiça para solucionar entraves fiscais.
Segundo informações disponibilizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dos 20.956 processos autuados de janeiro a maio deste ano, 2.203 (ou 10,5%) referiam-se à área de Direito Tributário, que fica atrás, apenas, das áreas de Direito Administrativo e Direito Processual Penal.
E diante do advento de novos serviços, produtos e da multicanalidade advinda da Era Digital, não é de se espantar que a economia digital no Brasil venha acompanhada de grande insegurança jurídica e fiscal, com consequências tanto para o mercado tecnológico como para os consumidores.
Recente discussão sobre a tributação de softwares, com entendimentos divergentes entre Estados e Municípios, inclusive, é um exemplo disso.
Enquanto os Estados entendiam que o software não customizado deveria ser considerado uma mercadoria, os municípios entendiam que os softwares são fruto de prestação de serviço, independentemente da customização para usuários.
Para não precisar tributar duas vezes o mesmo produto, as empresas de tecnologia acabavam por optar pelo recolhimento ou do ICMS ou do ISS, conforme análise particular, contando, na maioria das vezes, com a ajuda de assessorias tributárias para tal decisão. O que, obviamente, gerou inúmeros casos de autuações nas diferentes esferas.
A discussão só teve fim em fevereiro do ano passado, quando o STF concluiu o julgamento das ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidades), definindo que o consumidor está adquirindo apenas o direito de uso e não a titularidade do software, de modo ele não poderia ser considerado uma mercadoria, e sim um serviço (seja ele personalizado ou padronizado). Ou seja: um serviço sujeito ao ISS, afastando a possibilidade de cobrança do ICMS.
Porém, ao considerar a rapidez da evolução digital – com ascensão dos bens intangíveis e do surgimento e/ou integração de múltiplas modalidades de comercialização, como varejo físico, televendas, e-commerce, marketplace, WhatsApp e, agora, até Metaverso –, fato é que a complexidade da legislação fiscal, pelo menos em um curto prazo, só tende a se intensificar.
E isso independentemente de uma otimista aprovação da Reforma Tributária, que caminha a passos lentos no Congresso desde 2020.
Afinal, vale reforçar que, seja qual for a proposta de Reforma Tributária aprovada no Congresso e sancionada pelo Governo, haverá prazos extensos de transição. Isto é, possíveis anos de paralelismo tributário, durante os quais as empresas terão que conviver com as novas determinações, sem deixar de cumprir com as obrigações atuais.
Portanto, se o cenário tributário de hoje já é complexo, a tendência – ao contrário do que imaginamos sobre a Era Digital – é se complicar ainda mais, antes de realmente melhorar.
(*) Advogado tributarista e Tax Director da Sovos Brasil