Os critérios de sustentabilidade vêm sendo cada vez mais adotados pelas empresas em decorrência de uma mudança profunda do senso comum: não há mais espaço para atividade econômica sem um olhar cauteloso para os aspectos ambientais, sociais e de governança
Carlo Pereira, Gisela Gadelha e Bruno Barata (*)
O Fórum Econômico Mundial publicou recentemente o artigo “ESG is missing a metric: R for resilience”, de co-autoria de Saadia Madsbjerg, do The Rockfeller Foundation, e Judith Rodin, da Prodigy Finance, que defende a inclusão do “R”, de resiliência, ao acrônimo inglês “ESG”, termo que representa um mercado de trilhões de dólares e que significa a adoção, pelas instituições, de critérios de sustentabilidade sob três verticais: ambiente (environmental), social e governança (governance).
Também recentemente, a revista britânica The Economist publicou o ranking “The Economist Intelligence Unit”, com os melhores lugares para se viver. Das dez primeiras cidades, seis estão localizadas na Oceania, duas na Europa e uma na Ásia. Um dos principais critérios para a formulação do ranking foi a forma de combate à pandemia da COVID-19.
É fato que o desafio trazido pelo mencionado desastre sanitário vem recalibrando não apenas o mindset do mundo corporativo – grande parte da sociedade vem repensando sua forma de viver. A busca por uma vida mais saudável e a adoção exponencial de ferramentas tecnológicas foram algumas das mudanças que a COVID-19 acelerou.
Até mesmo o mercado de capitais elevou o ESG a um patamar especial: a S&P Dow Jones e a B3 lançaram em 31 de agosto de 2020 o Índice S&P/B3 Brasil ESG, destinado a medir performance de títulos que cumprem critérios de sustentabilidade.
E, seguindo a velha máxima de que quando a sociedade muda, as leis mudam, os critérios de sustentabilidade vêm sendo cada vez mais adotados pelas empresas em decorrência de uma mudança profunda do senso comum: não há mais espaço para atividade econômica sem um olhar cauteloso para os aspectos ambientais, sociais e de governança. Utilizando-se, apenas, do título do livro de Aldous Huxley, estamos vivendo um “admirável mundo novo”. Só que, ao contrário da publicação que tecia forte crítica ao positivismo da ciência na época da crise 1929, agora há uma real esperança de construção de um futuro melhor.
Trata-se de uma ação global em defesa de mecanismos de progresso das práticas corporativas. Nesse sentido, podemos destacar o Acordo Verde Europeu (European Green Deal), projeto que visa atrair pelo menos um trilhão de euros em investimentos públicos e privados durante a próxima década, e o Plano de Infraestrutura dos Estados Unidos, orçado em 2 trilhões de dólares que, dentre as suas expectativas, prevê o estímulo do desenvolvimento de veículos elétricos e energia limpa.
Portanto, entregar um produto ou um serviço de qualidade não é mais o suficiente: é preciso ter propósito, é preciso agregar à vida dos colaboradores, dos clientes, enfim, da sociedade. O diferencial competitivo, sob esse aspecto, é flagrante: as pessoas preferem investir seu dinheiro em empresas que adotam critérios de sustentabilidade.
E como estar em conformidade com os critérios de ESG? Vamos a alguns exemplos. No prisma ambiental, a preocupação com combustíveis renováveis, emissão de gases de efeito estufa, eficiência energética, risco climático, gestão da água e processos de reciclagem. No prisma social, preocupação com saúde e segurança, condições de trabalho, benefícios para os colaboradores, diversidade e inclusão, direitos humanos e impacto nas comunidades locais. Por fim, no aspecto da governança, preocupação com preceitos éticos, diversidade na diretoria, engajamento e direitos dos stakeholders e remuneração por performance.
É importante destacarmos que os critérios de ESG também estão sintonizados com a Agenda 2030 e o Pacto Global das Nações Unidas, iniciativas criadas com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico, social e ambiental em escala global, através da implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
O propósito das Nações Unidas demanda um urgente plano de ação, entramos na década derradeira para a entrega da agenda – a Década da Ação. Trata-se de uma verdadeira “call to action” do mundo corporativo para adoção de critérios de sustentabilidade. E, arvorando-se do ditado “tempos desesperados pedem medidas desesperadas”, verificamos que ou o mundo corporativo se une em torno desses propósitos para recalibrar a atividade econômica do planeta, ou todos nós sofreremos as consequências de atividades predatórias contra o ambiente e a sociedade.
Mas, apesar da urgência que o assunto demanda, também sabemos da dificuldade de implementação desses critérios. Mencionando o artigo publicado pelo Fórum Econômico Mundial, destacado no início deste texto, não podemos esquecer um termo que poderia ser incluído no “ESG”: a resiliência.
Em 2014, com a deflagração da Operação Lava Jato, houve um “compliance booming” no Brasil. Diversas empresas sentiram a necessidade de estarem, cada vez mais, em conformidade com as boas práticas anticorrupção, não bastando, portanto, ter um simples código de conduta ética. Presenciamos, na ocasião, uma corrida pela construção de programas efetivos de compliance.
Em 2020, com o início da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados, o mundo corporativo se viu diante da necessidade de revisão das suas políticas de privacidade e da criação de um programa de governança em privacidade de dados. Estava lançada uma nova corrida por melhores práticas em função da necessária adequação à nova lei.
Nesse mesmo ano de 2020, o Brasil iniciou o enfrentamento da maior catástrofe sanitária que recaiu sobre o país. A pandemia da COVID-19 nos fez repensar desde as práticas mais simples do cotidiano até grandes tomadas de decisão pelas empresas. Alguns especialistas afirmam que o salto de desenvolvimento em alguns setores, destacando-se, no ponto, o tecnológico, foi de mais de 10 anos.
Contudo, o crescimento exponencial de alguns setores não significa que todos encontrarão um ambiente favorável para desenvolvimento. A resistência a mudanças revela-se um fator natural quando estamos diante de novos desafios. Se faz necessário quebrar os nossos arquétipos, ultrapassar os paradigmas tradicionais e mirar um futuro sustentável que entrega melhor qualidade para os negócios, para a sociedade e o planeta.
Nesse ponto, destacamos a necessária resiliência que se impõe no momento de implementação do ESG. Existirão barreiras? Sem dúvida. Mas, como afirmou Kenneth Mikkelsen em artigo para a Harvard Business Review, “os melhores líderes são aprendizes constantes”. Saber transpor barreiras e, concomitantemente, criar valor nesse processo é papel fundamental na jornada da sustentabilidade corporativa.
E não pensem que ESG, ou ESGR, se aplica somente às grandes empresas. Assim como a adoção de práticas de compliance e proteção de dados devem se dar em todo o mercado, um olhar dedicado ao ambiental, social e governança também encontra espaço nas pequenas e médias corporações. Independentemente do porte das empresas, há uma cobrança cada vez mais intensa por parte de consumidores, colaboradores, investidores e da sociedade de maneira geral, por uma atuação sustentável, levando em conta os reflexos que as decisões corporativas têm perante a sociedade. Afinal, o planeta somente estará sintonizado com essa nova agenda de desenvolvimento se esse propósito for abraçado por todos.
(*) Diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global e chairman do Conselho das Redes Locais do UNGC na América Latina e Caribe e professor do LinkLei Academy; coordenadora do LinkLei Academy e diretora jurídica e de compliance da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro e coordenador do LinkLei Academy e membro do Grupo de Trabalho Anticorrupção do Pacto Global das Nações Unidas