Ausência de controles de riscos, de planejamento sucessório, de tomadas de decisão com base em análise e não nos interesses pessoais ou familiares amplia as fragilidades e reduz a longevidade destas organizações
Marcos Rodrigues (*)
Responsáveis por 65% do PIB brasileiro, 75% da força de trabalho e 90% das cerca de 20 milhões de empresas do país (IBGE e Sebrae), as organizações familiares enfrentam inúmeros desafios que ameaçam sua longevidade. A maior parte deles poderia ser superada se não houvesse falta de governança corporativa. A ausência de controles de riscos, de planejamento sucessório, de tomadas de decisão com base em análise e não nos interesses pessoais ou familiares amplia as fragilidades e reduz a longevidade das empresas. Tanto que estatísticas dão conta que 70% destas organizações não sobrevivem à morte do fundador e apenas 5% chegam à terceira geração.
Os dados acima permitem uma conclusão: a estabilidade da economia e sustentabilidade do crescimento do PIB de longo prazo não dependem somente do governo, mas da profissionalização da gestão das empresas familiares. Os voos de galinha podem estar relacionados não só à intervenção estatal e políticas econômicas equivocadas que geram a volatilidade do PIB como também à falta de capacidade das organizações em se manterem por mais tempo no mercado.
É preciso lembrar como funciona o capital organizacional da economia. Existe um grupo de ativos intangíveis que norteia as relações de uma determinada empresa para com seus stakeholders ou agentes de relacionamento (internos e externos). Ao fechar as portas, a empresa leva consigo toda uma organização que envolve clientes, funcionários, fornecedores e a comunidade em torno desta organização. Isso simplesmente desaparece e preencher o vazio deixado é um processo lento.
Muito se fala da elevada carga tributária brasileira, corresponde a aproximadamente 35% do PIB. Inegavelmente este é um fardo que reduz a competitividade das companhias locais, mas também é uma realidade igual a todas. Diante deste cenário, fica a pergunta: se o ambiente é arisco e igual para todas, por que muitas empresas dão certo e o que leva a tantas outras a fecharem as portas? Neste sentido, há outro dado que se deve ter em mente: 15 empresas familiares brasileiras fazem parte da lista das 500 maiores empresas do mundo, de acordo com o ENEF – Encontro de Empresas Familiares.
A diferença está no DNA da organização. Ser familiar não significa estar isenta de uma gestão profissional. Pelo contrário, as práticas de governança se tornam ainda mais essenciais, abrangendo questões como o controle de risco, regras para solução de conflitos e planejamento sucessório.
É preciso observar que a governança corporativa em empresas de controle familiar não envolve apenas o âmbito da separação entre propriedade e gestão, mas também, o âmbito das relações entre família, patrimônio societário (propriedade) e empresa (gestão). Segundo levantamento do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), realizado em 2019, 68,1% das empresas familiares têm mecanismos formais para garantir a separação entre o patrimônio da família e o da empresa. O percentual pode parecer elevado, mas se olharmos pelo outro lado, observamos que 31,9% das empresas ainda mesclam o dinheiro da família com dinheiro da empresa, o que é um erro crasso. Nesta pesquisa, o IBGC e a PWC ouviram 279 empresas brasileiras de controle familiar de capital fechado.
Sobreposição de funções
Outro fator preocupante é que as questões nestas organizações se tornam mais complexas, pois os membros da família sobrepõem funções dentro da empresa e um dos principais conflitos está no não alinhamento entre os objetivos econômicos e objetivos da família. Segundo o levantamento do IBGC, em 82,1% dos entrevistados na pesquisa, o diretor-presidente é um membro da(s) família(s) controladora(s). Além disso, quase metade deles (46,3%) é da primeira geração. Em 41,6% das empresas, todos os diretores são membros da família.
Este é outro fator preocupante, pois uma empresa tipicamente familiar tem maior probabilidade de violar os elementos nos quais se pauta a tradicional governança corporativa e, neste caso, sua sobrevivência também é ameaçada, assim como parte do PIB se perde.
Para evitar conflitos como estes é preciso trazer uma visão externa, estabelecer regras e controles. Deve-se, simplesmente, virar a chave e pensar na longevidade da empresa, ao invés de buscar o controle absoluto. A governança corporativa é um processo, uma trilha de longo prazo. Não basta só adotar algumas medidas para facilitar o acesso ao crédito ou aumentar o valor da marca na famosa postura “para inglês ver”, como muitos se comportam por aí.
Tal como uma terapia, adotar a governança requer uma mudança de essência e o caminho é árduo. Ao mesmo tempo, a trilha garante a longevidade da companhia e a sustentabilidade econômica.
(*) Sócio da MRD Consulting