Wilson Sales Belchior, sócio de Rocha Marinho e Sales Advogados e conselheiro federal da OAB
Medida Provisória não segue princípios da LGPD, deixando de apresentar um plano concreto de salvaguarda dos dados pessoais dos brasileiros, avaliam os profissionais
O Supremo Tribunal Federal (STJ) anulou na quinta-feira, dia 7 de maio, a Medida Provisória 954/2020 do governo que obrigava as empresas de telecomunicações a compartilhar dados cadastrais de clientes com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A decisão do Judiciário foi considerada por advogados um marco para preservar a privacidade dos cidadãos e reforçar a importância da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).
A Medida estabelecia que, em até sete dias, o nome completo, endereço completo e números de telefone de todas as pessoas do país deveriam ser repassados ao IBGE. A MP havia sido sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, sob a justificativa de que era preciso ajudar a produzir estatísticas oficiais diante da impossibilidade de realizar pesquisas domiciliares presenciais durante a pandemia de covid-19.
Em poucos dias, quatro Ações Indiretas de Inconstitucionalidade (ADINs) foram propostas no STF (pela OAB e por partidos como PSB, PSDB e PSOL). No dia 24 de abril, a ministra Rosa Weber, relatora do caso, suspendeu, em decisão liminar, os efeitos da MP na ADIN proposta pelo Conselho Federal da OAB. Segundo ela, tratava-se de “prevenir danos irreparáveis à intimidade e ao sigilo da vida privada de mais de uma centena de milhão de usuários dos serviços de telefonia”.
No julgamento pelo colegiado do Supremo, na última quinta-feira, houve concordância com a posição adotada pela relatora, no sentido de que a MP não define como e para que serão usados os dados coletados. Desse modo, por 10 votos contra um, a votação determinou a suspensão da Medida Provisória.
A seguir, alguns advogados comentam a decisão tomada:
Lucas Paglia, sócio da P&B Compliance e certificado pelo Insper e Data Privacy Brasil em Proteção de Dados & Privacidade: “Os ministros reconheceram a importância de ter normas específicas para compartilhamento de dados. E também consideraram que a medida pode ser irreparável a longo prazo. Eles citaram, em seus votos, muito declaradamente, a importância de respeitar os princípios da LGPD – mesmo que ela ainda não esteja em vigor. A proteção de dados das pessoas é fundamental e a LGPD garante exatamente isso”.
Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira, coordenador da área de Cível do Rayes & Fagundes Advogados: “O Supremo consagrou um dos pilares da proteção de dados pessoais, qual seja, o necessário atendimento ao princípio da finalidade. Não havia dúvidas quanto ao caráter genérico da Medida Provisória 954 que, embora possa ter sido editada com o objetivo de auxiliar o governo na luta contra a covid-19, pecou por não apresentar um plano concreto de salvaguarda dos dados pessoais de brasileiros. O voto da relatora das ações de inconstitucionalidade, ministra Rosa Weber, deve ser considerado como um marco para a proteção de dados de brasileiros. O direito à proteção de dados passou a ser considerado, em uma análise extensiva do Direito à Privacidade, como uma garantia fundamental do cidadão. O posicionamento adotado pelo STF é absolutamente salutar para o desenvolvimento e, enfim, para a implantação efetiva da proteção de dados no Brasil. Com o revés perante a Suprema Corte, espera-se que o Poder Executivo passe a finalmente demonstrar interesse na implantação efetiva da Autoridade Nacional de Proteção de Dados – a ANPD –, cuja existência poderia ter poupado o governo da derrota nas ações apresentadas pelos partidos da oposição”.
Daniel Gerber, criminalista com foco em gestão de crises, compliance político e empresarial: “Sem dúvida, é acertada a decisão do Supremo. Os direitos constitucionais à intimidade e à vida privada não são disponíveis aos poderes públicos senão em casos excepcionais. Espera-se, contudo, que a mesma linha decisória seja adotada se forem contestados atos de autoridades estaduais que, por diferentes caminhos, também se mostram absolutamente desarrazoadas na medida em que violadoras de direitos tão fundamentais quanto os aqui analisados”.
Wilson Sales Belchior, sócio de Rocha Marinho e Sales Advogados e conselheiro federal da OAB: “A decisão reafirma a garantia a valores importantes, consagrados constitucionalmente, como privacidade, intimidade e proteção de dados, especialmente pela abrangência da redação da Medida Provisória, carecedora de diretrizes, critérios e parâmetros para delimitar o compartilhamento dessas informações e a segurança cibernética nos procedimentos correlatos. O precedente é importante, pois considera que a excepcionalidade da pandemia não é apta, em si mesma, a justificar a flexibilização de todo e qualquer estatuto normativo, especialmente, nesse caso, quando ainda não estão vigentes as regras para responsabilização dos agentes que realizariam esse tipo de tratamento de dados pessoais, de acordo com a LGPD”.