O trabalho remoto tem que estar disponível, o tempo todo, para todos os profissionais. E os sistemas modernos de gestão serão ainda mais necessários para se obter eficiência financeira e administrativa.
Alexandre Dinamarco (*)
No último dia 12 de março, viajei ao centro de Londres, encarando trens e ruas lotadas como em qualquer outra manhã. Naquele dia, trabalhando no escritório da minha empresa, atendi clientes – grandes escritórios de advogados – da mesma forma que sempre, planejando visitas dos consultores da minha equipe ao longo das semanas seguintes para tocarem os diversos projetos que equilibro como gerente da área.
Já se sabia, claro, que medidas se aproximavam para combater a pandemia. Mas, mesmo às vésperas de um ainda não anunciado lockdown, não sonhava com a extensão do que se seguiria. Pois aquele 12 de março, há exatos 53 dias, foi minha última visita a Londres – desde então estou em home office, vendo colegas e clientes apenas pela tela do computador.
Meus consultores não realizaram nenhuma das visitas planejadas. Se muitas das agendas foram mesmo assim satisfeitas, através de reuniões online cada vez mais eficientes, tantas outras foram adiadas ou simplesmente canceladas porque os escritórios passaram a ter prioridades muito mais urgentes: como possibilitar que mais de 200, 300, advogados trabalhem de forma produtiva, simultaneamente, de casa? Como negociar o imediato impacto financeiro de não ter as equipes lançando horas, de clientes de uma hora para outra enforcados pela crise de fluxo de caixa?
Há os mais diversos tipos de ensinamentos que tiramos dessa mudança tão repentina e inesperada, mas gostaria de destacar a lição que, ao refletir sobre nossas rotinas antes e depois daquele 12 de março, vem de imediato às nossas mentes:
o Temos que estar preparados para atender de forma remota, com advogados, profissionais de clientes e outros colaboradores e terceiros multilocalizados, sendo que esta capacidade não é apenas para a prestação de serviços jurídicos, em determinados momentos, e em algumas equipes: deve abranger todo o ciclo de atendimento, incluindo geração e compartilhamento de documentos, faturamento, lançamento e pagamento de despesas, relatórios internos e para clientes. Esta capacidade de trabalhar remotamente não pode se restringir a um grupo de advogados ou a alguns gerentes de business services, de forma intermitente – ela tem que estar disponível para todos os níveis de profissionais, o tempo todo.
Atendimento automatizado no home office
Já mencionei em outros artigos, publicados no Law Innovation, as ferramentas de mobilidade, ou inovações em funcionalidades nos sistemas de gestão de serviços jurídicos que permitem realizar toda essa gama de atendimento de forma automatizada, sem a mínima necessidade de interações presenciais dos profissionais envolvidos. Mas vale relembrar algumas delas:
– Emprego de workflows e de paperless billing para aprovações de lançamentos de horas em projetos, ou de despesas, ou para alterações e emissões finais de faturas;
– Pleno uso das ferramentas de mobilidade, que devem estar disponíveis a todos os profissionais da Sociedade: acesso remoto a todos os sistemas da rede com utilização de laptops ou computadores pessoais, aplicações em smartphones e tablets para lançamentos de horas ou aprovações de workflows;
– Sistemas de gerenciamento de documentos ambientados em nuvem, com possibilidade de redação simultânea e compartilhamento com usuários externos ao escritório;
– Utilização, em redes externas seguras mas com acesso liberado para clientes, de sites de colaboração das equipes de advogados e de clientes.
É claro que estas capacidades e várias outras que facilitam o trabalho remoto através de dados em nuvem, mobilidade e automatização já estavam em uso pelos escritórios, assim como aqueles mais bem estruturados já comumente organizam estratégias de disaster recovery.
O que o “cisne negro” dessa pandemia nos ensinou é que estas facilidades têm que estar disponíveis a todos, o tempo todo – um novo normal que substitui a sua preparação apenas para a eventualidade de desastres.
Mas há uma outra tendência, que já se observava, mas que será certamente acentuada, à qual as Sociedades devem se atentar no ambiente de negócios pós-quarentena, e que gostaria de destacar como segundo ensinamento:
o Clientes terão um foco ainda maior em precificação, custos, margens, gestão eficiente de projetos, melhoria contínua no atendimento. A crise que imediatamente se abateu sobre todo o mercado simplesmente derreteu as folgas que escritórios ainda viessem a ter nestas áreas, e as Sociedades que não se prepararem para atingir metas de eficiência financeira e administrativa observarão perda de clientes e redução drástica da lucratividade por advogado.
Novos e mais eficientes processos
Neste cenário, o uso de sistemas modernos de gestão com as ferramentas para atingimento destas metas se fará ainda mais necessário, assim, é claro, como projetos bem executados para sua implementação e o treinamento e capacitação dos profissionais do escritório para se adaptarem a novos e mais eficientes processos.
Estas, entre outras, devem ser preocupações das Sociedades ao implementarem ou melhorarem seus sistemas de gestão:
– Que estejam, é claro, adaptados à exigência de serem operados remotamente, reduzindo ao mínimo a necessidade de reuniões presenciais de usuários, em linha com o que discutimos anteriormente;
– Que forneçam dados e processos automatizados que reduzam custos operacionais e melhorem a eficiência e agilidade no atendimento a clientes;
– Que sejam capazes de gerar informações para serem repassadas e digeridas online pelos administradores, gestores das práticas e de projetos do escritório;
– Que possam rapidamente transformar faturas em arquivos de e-billing – que terá seu uso ainda mais difundido entre clientes;
– Cuja implementação esteja alinhada às estratégias – elas próprias devidamente rediscutidas, face à crise da Covid, entre os sócios – estabelecidas pela Sociedade.
São duas lições entre tantas outras, e trata-se apenas da constatação de que práticas que já estavam se insinuando fortemente simplesmente se tornarão, em um ambiente de negócios pós-pandemia, obrigatórias para que os escritórios mantenham sua trajetória de sucesso empresarial e sua saúde financeira.
Como naquele dia 12 de março em que sabíamos que seríamos atingidos, mas não ainda em qual extensão e velocidade, entendo que estas são transformações que se aceleraram exponencialmente e que permanecerão como legado da pandemia da covid-19.
(*) Gerente de Serviços Profissionais da Aderant para Europa, Oriente Médio e África